Capítulo 3 ❁ Trouxe o amor para o vazio

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#MelodiasMalucas 🧡

Apesar de ser inverno, o clima na morada de JungKook era mediano, nem frio nem quente.

Dois dias se passaram e o ruivo não apareceu novamente em seus sonhos. Ele já não via mais felicidade em ir dormir.
    
Sentia-se como se todos os efeitos bons estivessem no fim. Ele estava na vida real novamente, e carregava uma tristeza sem igual. Odiava esse sentimento.
    
Menos de doze horas. Era esse o tempo que faltava.
    
O solstício de inverno, que antes trazia euforia, passou a trazer sensações melancólicas. JungKook logo seria maior de idade e sequer tinha vivido.
    
Não estudou rodeado de outras pessoas. Nunca saiu para comemorar datas importantes. Não aprendeu com seus erros, afinal, nunca chegou ao mérito de poder falhar o suficiente para evoluir. JungKook não teve amigos. Tudo o que ele mais queria era ser alguém normal, com uma vida comum.
    
Poder errar, se reconstruir, se levantar depois de fazer bobagens e evoluir. Para poder chegar nessa mesma idade e ser capaz de dizer: eu faria tudo de novo. Pessoas não seriam o que elas são se não fossem seus erros, eles são importantes, mesmo que pareçam dolorosos. Passado é indispensável para o presente, que molda o futuro.
  
Dorothy ensinou a ele tudo o que sabe, e JungKook sente como se fosse apenas um retrato da própria mãe. Ele sonhava com a cidade porque ela trazia um sentimento inalcançável de liberdade. 
    
Queria ir à boates, experimentar bebidas e conhecer pessoas. Queria ouvir a batida das músicas do One Direction enquanto observava luzes coloridas piscando no palco. 

Aos treze anos, Dorothy soube que ele queria sair de casa, e ela foi rápida ao tentar de tudo para fazê-lo esquecer. Aos quinze ganhou Pandora, como uma tentativa de fazê-lo mudar de ideia sobre a cidade. No mesmo mês conheceu um garoto que estava passando uma temporada com a avó, que morava na única casa perto da sua. Mike o incentivou a deixar o interior e viver a vida.

JungKook nunca esquecerá de Mike e o estilo que achou tão bonito, combinava com o moreno dos olhos azuis. Usava preto, não importava o calor. Esteticamente ele era intimidante, mas cheirava a morango e chantilly, um dos cheiros mais doces que já sentiu.
    
Nunca mais o viu, seu único amigo em toda a sua vida foi embora, seguindo seu sonho. Mike anotou seu número e entregou para ele, escondido, mesmo depois de Dorothy ter proibido a aproximação entre os dois. Ela dizia que Mike era uma péssima influência, mas JungKook sabia que ela só dizia isso porque Mike trouxe novamente à tona os sonhos dele.

Sempre me lembrarei de você.. Ligue para mim em qualquer momento, entendido? Podemos dividir um apartamento algum dia ㅡ Foi a última coisa que Mike disse a JungKook e, seguido de um sorriso, despediu-se.
    
Sentia falta dele e das poucas semanas que viveu como um adolescente normal, ou quase.
    
Podia quase sentir o momento em que ele e Mike fizeram uma arte no muro de sua avó. A pintura foi de uma bicicleta com várias flores em suas rodas e cesta, o desenho significava a vontade de conhecer o mundo e ser aventureiro. As rodas, porém, eram presas por flores, que impediam a bicicleta de ser livre.

A avó de Mike ficou encantada com o desenho, e os convidou para comer pão de queijo com café e ouvir músicas de sua época na vitrola velha lilás. A doce velhinha mudou-se dali há oito meses atrás, foi para a cidade continuar seu tratamento contra o câncer, morando mais perto do hospital. JungKook prometeu que a visitaria assim que realizasse seu sonho de ir para a cidade.

JungKook sempre sentia um apertozinho no peito quando ouvia a palavra cidade, e não era dos bons. Apesar de ser extremamente grato por sua mãe, ele não a entendia. 

E, no fim, a verdade era que Dorothy estava cega, não literalmente. Ela não via a realidade, JungKook sempre seria uma criança que precisava de proteção. Estava tudo tão errado. Dorothy pensava tão errado. 
   
Aquilo semeou nele um sentimento fardo, que o deixava preso. Sentia-se um delinquente em prisão perpétua. Sua punição era passar toda a sua existência preso em uma casa, fazendo a mesma coisa dia após dia e aprendendo sobre a vida sem poder vivê-la.
    
Um castigo.
    
Aos dezesseis parou de acreditar no destino. Achava tudo cruel demais para ser real. Decidiu que assim que pudesse sairia dali para sempre. E este é o problema de privar os filhos e tentar segurá-los da vida: eles vão fugir de você. Proteção em excesso não é amor.
    
O tempo passou e agora ele tinha dezessete anos e um coração que gritava para ser ouvido.
     
JungKook, nesse momento, pintava em aquarela perto da mesa de madeira em frente a sua casa. Ouvia música na vitrola de seu pai que, diferentemente da vitrola da senhora Charlie, era sem cor. Um marrom sem graça um pouco mais escuro que o da mesa. Já pensou em pintá-la da cor azul, mas o medo de estragar foi extremamente maior.
    
Em compensação a sua tristeza interior, ele ouvia músicas animadas, como Wonderwall, do Oasis, que o faziam esquecer a falta de cor do toca discos antigo ㅡ que ele não sabia como continuava funcionando.
    
JungKook estava vestido com uma camisa laranja e uma jardineira azul. Seus pés estavam descalços, sentindo a grama que foi esquentada pelo sol do meio dia.
    
Seu cabelo estava tão grande que caía sobre os seus olhos enquanto pintava. Se pudesse ver o quão bonito era… Cada pequena parte de si poderia ser comparada às coisas mais belas que um poeta poderia pensar.
    
A beleza de JungKook era suave como a melodia de um solo calmo em uma guitarra. Sua voz era como um mar cor índigo no início da madrugada, que brilha com a luz do luar e desperta as sensações mais gostosas. Já a sua arte era diferente, cada pintura passava uma sensação nova. Assim como cliques de câmeras, suas pinturas também guardavam memórias, sejam elas boas ou ruins.
     
Dessa vez ele pintava um passarinho que se escondia nas tulipas, aquela estava se tornando a sua arte favorita até então. Deixava o pincel deslizar sobre a tela enquanto umedecia e prensava seus lábios, vendo os tons de rosa das tulipas se misturarem sutilmente no papel.
     
A concentração de JungKook era tão grande que mal percebeu que o pássaro se aproximava de si, ao ponto de parar em cima do cavalete que segurava o papel.
    
Não se assustou, pelo contrário, aproximou-se do bichinho, que o deixou fazer carinho nas penas pretas. Era um pássaro bonito, além de muito dócil.
  
ㅡ Qual o seu nome, passarinho? ㅡ deixou o pincel sobre a mesa, fazendo um carinho com o indicador nas penas abaixo do bico afiado. ㅡ Você é muito bonito, sabia? ㅡ O pássaro subiu no seu dedo, deitando a cabeça de uma forma adorável. ㅡ Dessa forma até parece que pode me entender. O que acha da minha pintura? ㅡ Com calma, deixou o pequeno em frente a sua tela.
     
O pássaro balançou sua cabeça para cima e para baixo, olhando para JungKook, que notou os olhos brilhantes dos bichinhos.
 
ㅡ Vou deixá-la no meu quarto ㅡ Ele voltou a fazer carícias delicadas nas penas do pássaro ㅡ Você está com fome? Eu vou buscar algo para você comer ㅡ Deixou o pássaro em cima do Cavalete novamente, correndo para dentro de casa e indo direto para cozinha.
  
ㅡ Cuidado. Entra em casa parecendo um furacão ㅡ Disse Dorothy, fazendo-o cair na risada.
  
ㅡ Desculpa! ㅡ Respondeu, pegando um prato e cortando pedaços pequenos de uma banana e quebrando duas nozes para dar para o passarinho que o esperava. 
     
Saiu novamente de casa, fechando a porta para que Ariel não saísse. Voltou para a mesa de madeira, encontrando o passarinho ainda ali. JungKook sorriu fraco, sentando-se na cadeira e estendendo seu indicador, para que o bichinho subisse ali.
    
Ao fazê-lo, deu-lhe as nozes quebradas em pequenos pedaços, uma por uma e com cuidado, podendo sentir a felicidade do pássaro. Depois deu-lhe devagar os pedaços da banana, vendo-o usar os dedos de seus pés para segurar.
  
ㅡ Deveria vir aqui mais vezes. As tulipas estão sempre bonitas e eu te daria comida ㅡ Comentou, deixando o passarinho em cima da mesa de madeira novamente e colocando os dois pedaços sobrantes da banana perto dele ㅡ Mas não vou te prender aqui… como eu...
    
JungKook pegou o pincel, limpando-o e colocando água para diluir a aquarela e voltar a pintar, terminando de tingir as penas do pássaro. Porém, notou algo diferente no desenho. Tinha pintado o pássaro de preto, agora ele tinha uma cor verde azulada. 
  
ㅡ Não lembro de tê-lo pintado com essas cores… ㅡ Coçou a nuca, dando de ombros, afinal, o quadro continuava bonito.
    
Chegou a conclusão de que a tintura do céu havia se misturado com o preto e formado essa cor, já que é quase impossível ter controle completo sob a aquarela.
    
Esse é um dos motivos de JungKook gostar dessa forma de arte, a falta de controle. Você coloca no papel sem ter certeza de que cor formará no fim e, mesmo assim, fica bonito.
     
Uma pena ele não ter visto que, antes de molhar a tinta verde da paleta de aquarela, que usaria para as folhas das tulipas, haviam marcas de pés de um pássaro muito bonito e travesso, que sabe muito bem como esconder algo.

Coelho de Tarpe • [taekook]Where stories live. Discover now