Ato II, Cena IV: O palácio

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Entram o Duque, Viola, Cúrio e outros.

Duque – Deem música aos meus ouvidos. Bem, bom dia, meus amigos. Agora, meu bom Cesário, aquela canção, aquela música antiga e cheia de graça que nós ouvimos a noite passada. A mim me fez sentir que aliviou em grande dose a minha dor, mais que as melodias suaves e as frases estudadas destes nossos tempos, mais efervescentes e frívolos. Vamos, um pedacinho, nem que seja.

Cúrio – Ele não está aqui, se assim apraz a Vossa Senhoria, aquele que deveria cantar.

Duque – Quem foi, então?

Cúrio – Feste, o bobo, milorde, um bufão que o pai de Lady Olívia achava muito engraçado. Ele está aí pela casa.

Duque – Pois procure por ele. Enquanto isso, toquem aquela canção.

[Sai Cúrio. Toca-se a música.]

Venha para cá, rapaz. Se algum dia te apaixonares, lembra-te de mim nas doces agonias do teu amor, pois assim como estou é como ficam os verdadeiros amantes: instáveis e retraídos em todos os movimentos de seu coração, exceto no levar dentro de si a imagem constante da criatura amada. Te agrada, esta canção?

Viola – Ela dá o eco exato do ponto onde entrona-se o amor.

Duque – Tuas palavras expressam o que dizes com maestria. Posso jurar por minha alma: apesar de jovem como tu és, teus olhos já depararam um rosto que te inspira amor. Estou certo, rapaz?

Viola – Se assim apraz a Vossa Senhoria, em certa medida, sim.

Duque – Que tipo de mulher ela é?

Viola – Muito parecida consigo, senhor.

Duque – Então ela não te merece. Que idade tem ela?

Viola – Aproximadamente a sua idade, milorde.

Duque – Velha demais! Minha nossa, deixe que as mulheres continuem pegando homens mais velhos. Ao mesmo tempo que ela vai se encaixando no jeito dele, toma as rédeas do coração do marido e consegue equilibrá-lo. Porque nós, rapaz, seja como for que elogiemos a nós mesmos, nossas afeições são mais volúveis e vacilantes, mais ansiosas e oscilantes que as das mulheres, e mais cedo se desgastam e mais cedo se perdem.

Viola – Penso que sim, milorde.

Duque – Então permite que o teu amor seja mais novo que tu, ou o teu afeto não vai segurar a tensão. Porque as mulheres são como as rosas: depois que a bela flor desabrochou, as pétalas caem no mesmo instante.

Viola – E são mesmo; ai de mim, que elas são assim mesmo. São criadas para fenecer quando chegam à perfeição!

Entram Cúrio e Feste.

Duque – Ah, companheiro, vamos lá, a música que ouvimos na noite passada. Observe, Cesário, como é antiga e simples. Costumam cantar essa toada as fiandeiras e as tricoteiras, trabalhando ao ar livre, e as donzelas que trabalham os fios com lançadeiras de osso. É uma verdade simples, que fala com ternura sobre a inocência do amor, como nos bons tempos de antigamente.

Feste – Está pronto, senhor?

Duque – Sim, peço-te: canta.

[Música.]

A canção [de Feste].

Vamos rápido, morte, se apresse!

Deito em tábuas tristes de cipreste.

Noite de Reis (1602)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora