27 de janeiro de 1979

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Tudo que existe fisicamente, tudo que existe parcialmente ou inteiramente é pertencente ao universo, o espaço; o tempo; a matéria; as estrelas; as galáxias; os planetas; todos os seres existentes; os meios intergalácticos; até mesmo o infinito.

Sinto o colchão da cama se afundar com o peso do meu corpo, estou deitado desde a hora que eu acordei pensando se devo ou não abandonar o meu universo, sair ou não dele. Meu quarto, meu universo.
Minha mãe está escutando seu velho radio, no andar de baixo. Ela só limpa a casa desse modo, ouvindo músicas, algumas particularmente gosto. Gosto quando ela escuta a radio, é melhor do que quando se escuta disco, as músicas são sortidas, as vezes um pouco de rock, ou um clássico bom.

Escuto seus passos subirem as escadas, eu sei o que ela fará...
É dia 27 de janeiro de 1979, sábado e verão, da para ouvir os gritos das crianças brincando na rua, presumo que esteja tarde para se levanta. Amélia entra em meu quarto, como se entrasse em uma sala de teatro, escancara a porta carregando uma pequena pilha de roupas dobradas que deixa em cima da cadeira ao canto.

- Bom dia, Bom dia! - diz ela cantarolando. - O sol já nasceu, o dia está lindo. - Ela puxou a cortina escancarando a mesma fazendo a claridade invadir meu quarto - Bom dia querido.

- Mãe! - reclamo me embalando nas cobertas

Ela puxa as cobertas e me da um beijo na testa.

- Vamos Luís, se levante Luís, já há luz na rua Luís.

- Belo trocadilho - falo rabugento.

Ela da um riso e abre meu guarda-roupas, o abajur não causa mais reflexos perfeitos de estrelas como estava causando ates dela trazer a claridade. Eu havia perdido meu universo de luminoso. Começa a colocar as roupas dentro do guarda-roupas, ela usa um vestido rosa e branco, com um avental vermelho de bolinhas brancas, está descalça, os cabelos desgrenhados e presos.
Ela ronrona no ritmo da música, cantarolando That's Amore de um modo gracioso. Ela gosta dessa música, está sempre resmungando, cantarolando, quando não, Pé de Manacá.

- Que horas são, hein?

- Meio-dia, com sorte ainda poderá aproveitar o sábado. Está um calorão lá fora filho. Não pode viver preso nesse quarto ele está fedendo.

Me sento na cama me preparando para me levantar.

- Sei que perdeu o emprego que gostava, mas se ficar deitado o emprego não vai bater em sua porta.

- E quem procura emprego no sábado?

- Não estou dizendo isso. Apenas quero que saia querido, faça amigos...

- A senhora sabe que amigos não foram feitos para mim mãe.

Ela se virou após guardar todas as roupas e pegou em minha bochecha.

- Que menino mais moribundo e ranzinza, um velho de dezoito anos. Vá, avia, se lave e vá procurar o que fazer...

Levanto-me contra vontade. Não quero ela falando de mais em minha cabeça.
Minha mãe é "nova", tem quarenta e seis anos de idade, foi mãe duas vezes, é extremamente vaidosa, está sempre preocupada com sua aparência, e quando não, está linda de qualquer forma. Ela tem os cabelos tingidos de um vermelho vivido, mesmo sabendo que os mesmos são ruivos alaranjados. Sou mais parecido com meu pai, que é moreno, mas os traços delicados são de minha mãe... Me analiso no espelho após o banho, minha barba de fios escuros começa jovem e fina rasgar a pele, não gosto muito da ideia, sempre a tiro com a navalha de meu pai, mas agora parece mais espessa e espalhada, crescendo por todo o queixo, isso me parece um problema, queria não ter barba.

Desço as escadas apressado. Meu pai não está em casa, como sempre, ele gosta de passar o tempo com outros homens, fazer coisas de homens.
Vou até a cozinha, minha mãe está lá, cozinhando. Pego uma maçã grande da fruteira e saio apressado.

- Onde vai mocinho?

- A senhora disse que eu aproveitasse o dia... Estou indo. - Falo balançando a carteirinha do clube em que éramos sócios

- Sem almoçar?

- Tenho uns trocados.

- Luís - diz ela em tom repreensivo.

- Dona Amélia - resmungo.

Mães são contraditórias, dizem uma coisa e quando você faz elas reclamam. Ela me olha com aqueles olhos que dizem: não diga que não avisei. Eu mordisco a maçã e saio apressado antes que ela me diga para ficar e lhe fazer favores.
Nesse caso qualquer coisa fora de casa é melhor do que fazer favores para a senhora minha mãe. Quando digo qualquer coisa, é qualquer coisa.
Caminho pela calçada, na rua crianças brincam, pula-corda, pique-esconde. Mulheres fofocam em seus vestidos balões com seus cabelos de laquê e grampos, maquiadas sutilmente. Homens estão parados em barbearias falando sobre esporte, mulheres e sabe lá o que mais, com seus charutos ou cigarros.

O clube ficava há algumas quadras.
Gosto de me aventurar, por isso caminho perto dos trilhos onde o Trâmuei desliza, e me perduraria nele até o fim da rua - uma pequena carona, gosto de fazer isso. Quando o transporte passa me penduro nele feito um macaco em um galho.

- Luís! - grita o condutor.

- Fala aí senhor Alípio, tem dormido bem? Tá com o rosto amuado? - Falo disfarçando.

- Você não tem jeito... - ele nega com a cabeça ajeitando sua boina xadrez escura na cabeça.

Dou um leve riso. A carona é curta o suficiente para trocarmos apenas essas palavras, pulo do transporte quando reduz a velocidade para fazer a curva na esquina, e sigo sentido contrário do mesmo agora.
Creio que todos os condutores de Trâmuei da região me conheça, eu sempre faço isso. Força do hábito.

Cruzo a catraca do clube, as pessoas usam seus trajes de banhos, as mulheres usam maiôs de cores e modelos iguais entre suas amigas. E os homens usam um calção de banho com ou sem uma regata, sungas para os mais descolados ou um speed suit aos retraídos.
Vejamos o que temos de moda aos homens? Listras diagonal ou vertical, azuis com listra brancas, ou amarelos com listra branca, preto com listras brancas e estampas; gosto mais de observar as roupas de banho nos rapazes pois são engraçados, alguns homens são grande de mais para seus trajes de baixo, a malha fina parece que vai rasgar em seus ombros ou cinturas.

Me aproximo da piscina, embora calor escaldante como um deserto, me parece vazia, talvez por conta do horário de almoço, retiro os sapatos pretos bem engraxados, as meias, por fim, ergo a barra da calça até os joelhos. Não gosto da água, não sei nadar, e ela não parece gostar de mim o suficiente para isso, por isso vou apenas me refrescar, ver o movimento.
Me sento no beiral da piscina, escolhi uma parte do beiral sequinha, enfio os pés na agua, azulzinha e fresca - está uma delicia por sinal -, agito meus pés na água, segurando meus sapatos nas mãos e as meias dentro deles.

Observo meus pés balançando os mesmos até que uma explosão e agua para todo lado se espirra me molho totalmente. Me encolho rapidamente para me proteger ou proteger o rosto, foi em vão...

- Mas que mer...

- Me desculpa - diz uma voz grossa como um trovão aos risos - Perdoe-me garoto - Ele ri.

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