3.

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BABACA
AYLA

Eu não conversei com ele. Talvez tenha sido isso que incentivou o garoto dos portões naquela rivalidade infantil e idiota que estava prestes a criar. Mas a culpa não é somente minha, ele também não disse nada quando me aproximei da entrada e sentei-me num dos bancos. Na verdade, ele nem sequer ergueu o olhar para mim.

No momento em que a pasta de músicas que eu havia começado a ouvir está praticamente na metade, o sinal toca e a mesma mulher da recepção, senhora Wilson, abre a porta de entrada.

O garoto entra logo em seguida e apresso-me em finalizar a playlist que ouvia, desconectar os fones e recolher meus itens de desenho que usei nesse meio tempo. Entretanto, é óbvio que não consigo cumprir a missão sem passar um pouco de vergonha, tipo quando procuro o telefone e ele está na minha mão ou quando coloco o caderno e o estojo de lápis na mochila fechada.

Quando passo pela entrada, senhora Wilson diz:

- Boa sorte! - Eu assinto e agradeço.

Será que está tão claro assim que preciso de sorte? Se sim, por quê? Por ser uma novata que se atrasa no primeiro dia, pelo garoto bonito demais que não deu a mínima para minha existência ou por ser terrivelmente desastrada?

É, eu realmente preciso de sorte.

☽︎☀︎☾︎

Parada em frente a turma, sinto minhas pernas falharem e as mãos suarem frio. Odeio seus olhares em mim tanto como adoro. Odeio que me vejam, mas amo saber que tudo que seus olhos veem é minha bela máscara, e me viciei em temer que vejam além dela.

Tenho três pontos que acho fundamentais ao escolher um lugar, principalmente no primeiro dia:

1. não há nada mais desastroso do que sentar-se em um lugar que já tenha "dono" - isso meio que se autoexplica.

2. evito sentar no lugar dos que amam estudar. Não posso ser confundida como um deles - os professores sempre fazem as perguntas mais complicadas para os alunos da frente, fato. Outro fato? Eu não saberia respondê-las.

3. o fundo é sempre mais receptivo e... confortável. Quando digo receptivo, quero dizer que não reparam na sua existência. Para mim está ótimo.

Estou colocando meus materiais indispensáveis em cima da mesa quando ouço cochichos, a maioria femininos. Noto que todos estão olhando para um ponto específico: a porta.

Confesso, achei ridículo, mas minha opinião muda assim que percebo quem eles observam.

O garoto que encontrei na entrada caminha como se ninguém o olhasse e, ou eu estou em uma ilusão de ótica, ou ele está vindo em minha direção, o andar preciso e calmo. Ele realmente parece satisfeito em estar na própria pele. Bem, eu estou satisfeita em admirar.

No momento em que meus olhos encontram os seus, sinto uma sensação perturbadora de que nos conectamos. Não em um contexto psicológico, mas muito carnal. Foi a primeira vez que me olhou e eu praticamente derreti. Que porra é essa?

Meu coração falho erra uma batida. Ele está na minha frente, seu corpo tendente a se inclinar em minha direção e sua mão apoiando-se em minha mesa com firmeza, as veias e os músculos de seu braço salientes sob meus olhos enquanto a outra mão está guardada no bolso da sua calça cinza um pouco larga demais. O seu rosto é lindo demais para que eu sequer me force a negar que meu olhar suba e divague pelo seu maxilar marcado, seu queixo firme que se posiciona em desafio para frente, as maçãs do rosto acentuadas, o nariz perfilado e, abaixo de suas sobrancelhas escuras e cheias, um belo par de olhos que agora vejo com clareza que são o tom de mel mais quente que já vi. A ponta da sua língua rosada desliza em seu lábio inferior, o molhando, se preparando para me dizer algo.

É cedo demais para incorporar a Demi e temer um ataque cardíaco?

- Acho que esse lugar não é seu, pequena.

Pequena...

- Se não é meu, é de quem? - ouso indagar, mas minha voz sai mais fraca e rouca do que o tom confiante que desejei usar.

Ele sorri. Um sorriso de dentes brancos e retos contornado pelos seus lábios úmidos faz algo vibrar frio no meu ventre. Eu sinto que coro, mas não desvio o olhar. Não devo, não consigo e não quero.

- É meu, pequena.

E aí está, mais uma vez esse adjetivo ridículo. Não é novo para mim, meu pai costumava usar quando morava com a gente, antes de abandonar a família.

Sinto a raiva se assentando no meu sangue quando seus olhos dourados riem de mim.

- Esse lugar até que poderia ser seu, mas agora é meu. Tente chegar antes na próxima vez.

Sim, eu sei da minha política de não arrumar confusão no primeiro dia, porém não vou passar pela vergonha de sair do meu lugar e ter que encontrar outro com toda a turma me olhando só pelo querer desse... desse... Grrr, babaca! É isso o que ele é, um tremendo babaca! Não vou mesmo!

E, além do mais, se eu levantar agora vou provar que estava certo ao me chamar de pequena, porque comparada a ele, eu sou, sim.

- Você é nova no colégio, certo? - Seu olhar é desafiador, e eu me forço a retribuir. - Talvez não devesse arrumar confusão logo no seu primeiro dia.

- Por quê? - Cruzo meus braços sobre a mesa.

- Já disse. O lugar é meu.

- Não há nada nessa mesa ou nessa cadeira que pertença a você.

Ele se inclina mais e, céus, esse é o garoto mais lindo que já vi na minha vida todinha, e eu já vi uma quantidade considerável. Se ele chegar um dedo mais perto, eu juro que não vou conseguir formular palavras decentes, merda!

- Ainda - sussurra como se tivesse feito uma promessa, ou uma ameaça.

- O quê disse?

- Vamos evitar um showzinho, ok? - Mesmo sentindo minhas bochechas arderem pela intensidade de seu olhar, eu ergo uma das sobrancelhas. - É só você dá a porra da licença do meu lugar e caçar outro. De preferência, rápido.

Só pode ser brincadeira!

- Lamento desapontar, garoto que eu não conheço, mas não estou a fim. Muito menos rápido, pois odeio exercícios físicos. - Sorrio em deboche descarado.

- Você está certa, não me conhece. - Seus olhos ficam presos no meu sorriso por dois segundos longos demais e então seus olhos voltam para os meus e há um brilho diferente, mais sombrio. - Agora, dá o fora.

Quem ele pensa que é?

- Você também não me conhece. Ainda não entendeu que eu não vou? Xingue e faça birra o quanto quiser, babaca, não vai adiantar. Por que não vai você encontrar outro lugar, como um garoto decente e receptivo faria? - Mesmo sendo difícil tento segurar o tom para que não haja um escândalo com direito a participação externa, e isso faz com que cada palavra rude e seca dance entre o curto espaço entre nós.

Ele ri. Não acredito nisso! O que falei que foi tão engraçado? Babaca! Inúmeras vezes babaca!

- Tem razão.

O cara com espírito de bad boy vai até o centro da sala e se senta ao lado da garota com luzes no cabelo tom de chocolate liso e tiara estilo Paty americana de 1995, que sorri para ele e, em seguida, me olha por cima do ombro. Seu olhar parece dizer: Você é uma novata vadia.

- Acabou o espetáculo, Isak Mendes? - questiona a professora na frente da sala.

- Senhora Sofia, meu show nunca acaba.

Meu Deus, esse garoto mais idiota, impossível!

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora