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O PLAY

O resto da aula foi entediante. Não consegui me concentrar e duvido ter passado uma imagem bacana, isso porque passei praticamente todos os minutos com a sensação que o babaca estava me observando e, quando eu decidia olhar de volta, encontrava-o encarando o quadro ou a garota ao seu lado, mas sempre com os malditos lábios segurando um estúpido sorriso.

E o pior é que eu gostava de história, mas agora acho que gosto da sensação de seus olhos sobre mim.

O que deu em mim hoje, hein? Só pode ser falta de açúcar no sangue. Da última vez, fiquei como se estivesse chapada. Só isso poderia explicar esses pensamentos idiotas.

O sinal toca e somos dispensados. Assim que vou pegar minha mochila para ir à próxima sala, vejo três garotas na minha frente e reconheço a no canto esquerdo como a Paty de 1995. Um apelido maldoso? Quem liga? Existem piores por aí.

— Ei, garota nova! — A loira chama. — Ayla, certo? — Eu assinto, estranhando a aproximação.

Meu histórico com garotas loiras não é bacana. Sinceramente, com nenhuma é.

— Eu sou a Emily, essa é Anny e...

É interrompida pela ruiva: — Júlia. Olha, você parece legal e eu adorei você. Peço desculpas pelo meu irmão, o Isak é sempre um idiota. Mas parabéns, garota, não abaixou a cabeça!

Acho que não estou com aquela cara estranha que sempre faço quando tentam puxar conversa comigo, a que minha mãe sempre reclama, caso contrário, ainda não estariam aqui, estariam?

— É sério que vai parabenizá-la? Não estão vendo que foi o jeitinho dela de causar? — Anny diz e vira-se em minha direção. — Todo mundo sabe, novata, que quando ele quiser, você vai ser só mais uma que vai levantar a saia.

Bem, isso veio do nada, mas já estou acostumada o bastante para que meu humor acido venha à tona assim que sua boca se fecha. Um sorriso felino e sarcástico, ao qual me orgulho por nunca me deixar sair como vítima, se desenha no meu rosto e não penso uma única vez antes de responde-la:

— Mesmo que eu decida usar nada com quem quer que seja, não me recordo desde quando isso te afeta.

— Esse seu joguinho de se fazer de difícil e barraqueira não vai funcionar. Com elas, sim. — Aponta para as duas garotas atrás dela que parecem assustadas.— Comigo, nunca. Garotas que se acham demais por ser contra os clichês são exaltadas apenas em filmes e livros, novata. Bem-vinda a vida real. E não fique surpresa quando descobrir que seus próximos dias nesse colégio serão um inferno.

Sei muito bem como é a vida real, mas ela não precisa saber disso. No meu filme de garota-fora-do-clichê, Anny é a típica vilã-cola-de-chuteira.

Sinceramente, eu não sei se eu rio muito ou fico insultada. Joguinho? Ah, nada a ver! Barraqueira? Eu nem gritei. Causando? Ela que tá! Passar pelo inferno no colégio? Isso não vai acontecer, não de novo.

No fim, eu não agi, pois mal posso discutir com alguém que já não está por perto. Que louca!

— Não dê moral a Anny — diz Emily. — Ela tem esse lance doentio pelo Isak desde os 13 anos e eu meio que posso entendê-la. Esse negócio com os clichês? Ela apenas está decepcionada por não ter vivido o dela com o amigo de infância.

— Certo, isso não aconteceu — digo, colocando a mochila no ombro e esperando que essas garotas sumam tão rápido quanto apareceram enquanto fecho os olhos e respiro fundo. Talvez quando eu abrir ainda esteja na minha cama e nada disso seja real.

— Peço desculpas pelo meu irmão mais uma vez também. Não quero que isso nos atrapalhe. Podemos ser grandes amigas, sabia? Tem um colchão sobrando no quarto de Emily para a noite do pijama na próxima semana. Júlia se pronuncia, seu tom naturalmente meigo e gentil. — Mas espero que meu irmão não saiba por aí que estou chamando-o de idiota, entende? Não queremos que eu tenha que levá-lo conosco durante o intervalo para provar meu amor devocional de irmã, certo?

"Conosco", será que eu também estou incluída? Bem, elas já planejaram me colocar no quarto de uma delas. Emocionadas? Bastante. Porém nada indica que não gostei. Uma chance de ter amigas logo no primeiro dia, indispensável.

— Ele já fez isso? — pergunto, entrosando-me.

—Não — Júlia ri. — Mas uma vez, no primeiro ano, ele levantou uma faixa no interclasse dizendo que eu era a irmãzinha dele. O resto do meu ano foi um pesadelo.

— Eu que sinto muito, então — digo, passando a mochila para outro ombro.

— Acho que já estamos atrasadas para a próxima aula — supõe Emily, apertando o seu penteado alto com um elástico. — Ayla, seria incrível que andasse com a gente. Você quer?

Caramba, isso foi rápido! Quer dizer que não vou precisar andar sozinha por aí. Maravilha! Não estou contando que sejam minhas amigas, apenas companhia temporária. É a escolha mais inteligente a se fazer. E talvez isso me torne uma narcisista filha da mãe, mas são riscos a se correr.

— Quero sim.

— Isso vai ser incrível! — Júlia observa e todas nós rimos à medida que caminhamos para a sala da próxima aula.

Quando chegamos, Isak, o grande babaca, está no lugar que afirmou ser seu anteriormente, sentado de lado, com Anny, a Paty de 1995 para os mais íntimos, em seu colo — isso mesmo, no colo —, bem aconchegada em seu ombro enquanto ele acaricia os cabelos dela e ri de algo que o garoto com sinais asiáticos à sua frente disse. O garoto tem um sorriso bonito, daqueles que os olhos ficam fechadinhos.

"Será que estão rindo de mim?" Com esse pensamento, nenhum sorriso é mais tão bonito assim.

Isak me encara. Reconheço que ele pode, sim, ser intimidante. O olhar que era sereno e vivo enquanto conversava com seu amigo se transforma em um tão firme e frio quanto gelo.

Eu só tenho uma certeza: preciso ser mais forte que meus hormônios tolos.

Se ele pensou que eu me encolheria, se enganou. Eu posso sentir essa atração intensa e descontrolada por esse idiota, mas isso não muda nada. Que ele me desafie o quanto quiser, eu sou a garota que sempre vai apertar o play.

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora