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TUDO UM DIA JÁ FOI QUEBRADO

ISAK

Sempre acreditei que somente aqueles com quem nos importamos têm o poder de nos ferir, então deixei de me importar. Isso me levou a falhar com Henrique uma vez, ou várias, e agora sei que com Ayla também.

Ela implorou-me por sua música preferida e dançou para mim sobre a mesa. Seu sorriso fácil, sua gargalhada alegre, sua pele arrepiada com a menor distância cortada entre nós, como se estivesse bem com toda a merda que eu posso ser. Seus olhos brilharam como quem jamais partiria, o brilho que não estava mais lá a malditos dias.

Por um momento, achei que estivesse tudo bem perguntar algo estúpido. Eu tinha tanta certeza antes, mas quando perguntei não havia nada disso, apenas a vontade que ela negasse. Enfim, devo ter trincado algo que, de certa forma, já estava quebrado, não é? Pessoas se quebram o tempo todo. E se não, por que caralhos ela tem me tratado como se eu fosse a merda de uma porta? Estou tentando me convencer de que isso também não importa, mas tudo que consegui foi descobrir mais coisas que odeio.

Terceira aula, Artes. Colocaram um quadro branco na nossa frente e exigiram uma única emoção. A ambição é o que faz meu sangue pulsar todos os dias, que me mantém vivendo e desejando o amanhã. E foda-se se estou errado e isso na verdade é um sentimento - Toda essa merda é a mesma coisa se sou eu quem sinto -, no fim, o topo de uma colina, o céu noturno e cinco estrelas retrataram bem isso. É o que eu tenho, porém estou me perguntando, o que ela tem?

Ayla encara sua tela com o olhar tão malditamente vazio quanto uma concha. Seus pincéis sequer chegaram a se molhar na tinta, sua mão está tremendo em sessões constantes, e seu pé tem um ritmo perturbador.

- Hey, Isak? - Bernado chama baixo ao meu lado.

- Sim? - cochicho de volta.

- Somos nós? Quero dizer, as estrelas?

Eu sorrio para ele.

- Claro que somos nós, cara! Bem lá no topo.

- Eu sou a segunda estrela à direita. - Iuri faz sua interjeição ao meu outro lado. - É a que ficou menos horrível.

- Não - digo. - Você é essa daqui e a tinta que escorreu são seus últimos neurônios indo embora, colega.

Eu e Bernado rimos de Iuri enquanto ele nos mostra o dedo do meio.

Saímos da sala assim que o sinal soa, recolho minha mochila e chamo os caras para vir comigo até a secretária, é onde minha vó sempre deixa suas cartas, pois quando enviava para casa, nunca chegava até mim. Então eu solucionei isso com um sorriso de covinhas e um colar simples de ouro para a coordenadora.

- Hey, senhora Wilson - cumprimento com um sorriso animado.

- Oi, querido, entre. - Ela sorri de volta e se abaixa para pegar algo na sua gaveta. - Suas cartas chegaram.

- Cartas? - Indago surpreso. Vovó sempre manda apenas uma, com muito sacrifício ainda pela fraqueza nos ossos.

- Sim, pegue.

- Obrigado, Senhora.

- Por nada, querido. Hey, pode me fazer um favor? Se chegar a ver o Luan da sua turma, peça para ele vir até aqui?

- Claro, mas sobre o que seria? Sabe, caso ele pergunte.

- Diferente de você, há garotos que acham que um currículo escolar vermelho é ser "descolado".

- Que cruel, senhora.

Ela sorri e ajeita seu lenço, me mandando sair com um aceno de mão.

Do lado de fora da coordenação, vejo que os garotos se foram. Filhos da mãe!

Volto ao segundo andar para colocar minha mochila no armário e então poder ir lanchar, mas simplesmente sou impedido de prosseguir. Há ali a garota com o uniforme sempre impecável, a saia de cintura alta que encaixa perfeitamente - provavelmente mandou uma costureira apertar - e tênis branco. O penteado alto amarrado por um lenço branco deixando suas pontas onduladas e escuras balançando atrás de si. Para honrar meu título de babaca, descaradamente, ponho-me em sua frente e me aproveito da situação para me aproximar, segurando seu corpo perto e, dessa forma então, percebo sua respiração acelerada, seus olhos com um brilho molhado raso, seus lábios rosado numa linha tensa, quase fantasmagórico. Por mais que eu seja o grande babaca que a acusou de ser traficante, estar pálida como quem esbarrou numa assombração não é o tipo de reação que eu esperaria dela.

- Tudo bem com você? - Eu tento, porque por mais que minha teoria de não se importar com as pessoas exista e tenha me evitado alguns dramas, Ayla vai contra isso.

- Estou bem. - Realmente? Mas então sua postura é imediatamente corrigida e ela prossegue: - Sabe, vendendo as mesmas drogas de sempre por aí, bebendo com vários idiotas e sempre trocando a opção.

Ela diz e vira as costas, tentando fugir e, antes que eu mesmo perceba, minha mão está em seu pulso e meu corpo mais perto ainda do seu. Minha boca está dizendo coisas idiotas sabendo que ela irá usar as mesmas para atacar de volta. E não é diferente.

Idiota. Neurótico. Irresponsável. Emocional. Fraude.

Você é.

Não sei quantas centenas de vezes essas malditas palavras vem se repetindo na minha mente desde que a mandei se foder. Se eu me arrependo? Nem um segundo sequer.

Poderia ter sido diferente, eu poderia ter sido mais gentil. Ou poderia ser outra pessoa, que tal?

Importar-se com alguém é uma merda colossal! Me dê seus problemas, Ayla, e eu te mostrarei como não consigo nem resolver os meus. Demonstrar isso foi como dar pequenas agulhas para aquela garota, e ela atacou tudo em mim de uma vez só. Eu não preciso de ninguém para me fazer sentir mal, posso fazer isso sozinho.

Por quê tornar isso tão cruel, garota?

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora