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Rafaella encontrou o que procurava no terceiro andar do shopping: uma coleira com extensão que agradaria muito a senhora Gavassi. Nos dias cinzentos, poderia ficar embaixo da marquise do prédio, ao abrigo da chuva, enquanto Bidu passeasse. Deixou a loja, onde acabava de pagar sua compra.

Já nos degraus, uma mão delicada posou sobre seu ombro. Rafaella deu a volta e a mulher desceu um degrau para ficar próxima.

- Não me diga que você não me reconheceu! - exclamou Gabriela.

- Perdão, estava distraída.

- Está melhor? - perguntou com um ar compassivo.

- Sim, por quê?

- Soube que você tinha ficado viúva, que coisa mais triste...

- Do que você está falando? - perguntou Rafaella, perplexa.

- Encontrei-me com Bianca em um cocktail no mês passado. Sinto muito.

- Olha, fiquei muito feliz em ver você, mas estou com pressa - disse Rafaella, impaciente.

Quis descer alguns degraus, mas Gabriela se pendurou em seu braço e mostrou-lhe, orgulhosamente a aliança que brilhava em seu dedo.

- Na próxima semana celebramos nosso primeiro ano de casados. Você se lembra de Guilherme?

- Não muito - disse Rafaella, descendo para o primeiro andar.

- Você não pode ter se esquecido de Guilherme! - falou Gabriela, orgulhosa.

- Ah, sim, um sujeito alto!

- Muito alto.

- Claro, lembro super dele. - disse Rafaella, para tentar se livrar da outra mulher.

- Você não refez sua vida? Não me diga que uma mulher como você continua solteira. - perguntou Gabriela, com o mesmo ar compassivo.

- Sim, refiz. - Exclamou Rafaella, cada vez mais exasperada.

Novo corrimão e novas esperanças de que Gabriela tivesse outras compras para fazer naquele andar, mas a seguiu até embaixo.

- Tenho um monte de amigas solteiras. Se você vier à nossa festa de aniversário, vou apresentá-la à próxima mulher de sua vida. Sou perfeita para isso, tenho um dom especial para saber quem fica bem com quem. Você continua gostando de mulheres?

- Gosto de uma! Agradeço muito, foi um prazer tornar a vê-la, lembranças a Guilherme.

Rafaella cumprimentou Gabriela e fugiu a toda velocidade. Antes de sair, passou em frente a uma loja em que uma mulher manipulava um perfume; o cheiro a lembrou do apartamento de Gizelly. Era estranho como certas lembranças a bombardeava, ficava aérea, mas os sentimentos que apareciam eram maior que qualquer outra coisa. Deixou o shopping para trás, e parou na calçada de Union Square.

Sob os reflexos alaranjados do sol, a rua parecia ligeira. Rafaella, imóvel, ausente pensando naquela que não saia de seus pensamentos. Não ouve a moto que se aproxima por trás. O piloto perdeu o controle na curva da rua street. O veículo se desvia da mulher que está atravessando, inclina, ziguezagueia, o motor ruge, os pedestres se assustam. Um homem bem trajado se atira ao chão para evitá-la; outro retrocede e tropeça mais atrás, uma mulher grita e se protege por trás de uma cabine telefônica. A máquina prossegue sua louca carreira, o motoqueiro cai do assento, o veículo desgovernado roça no parapeito, arranca um letreiro e segue em velocidade. Quando alcança as pernas de Rafaella, levanta-a e a projeta no vazio.

E Se Fosse Verdade - GiRafaWhere stories live. Discover now