Capítulo 1

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"Tudo que sabemos é que o sol vai nascer,
agradeça a sua estrela da sorte por você estar viva,
é uma vida bonita" — Safe inside, James Arthur.

     A cela estava muito escura, o que deixava bem claro que o sol estava se pondo. A luz quase não entrava ali. Minha barriga doía, meu estado de fraqueza me corroendo de dentro pra fora. Não me lembro a última vez que me alimentei, e isso me deixava muito preocupada.

     O falatório à minha volta já era um costume, um que eu odeio para ser sincera. Eram muitas fêmeas presas em um só cômodo, mas nenhum barulho me deixaria mais mal-humorada do que a fome. Estou exausta.

     As correntes enfeitavam bem meu pulso, e não eram recentes. As marcas doloridas e escuras deixava evidente. Apesar de não suportar tanto barulho, ainda sim era reconfortante não ser a única acorrentada dentro de uma cela, mesmo todas me odiando, mesmo eu correndo mais risco de vida dentro da cela do que fora dela.

    Há muito tempo que ninguém descia para nos trazer comida, nem mesmo aqueles que adoravam ver tantas fêmeas enjauladas apenas por diversão. Levei um tempo para entender o porquê de gostarem tanto de nos assistir, e quis nunca ter entendido, porque para eles nós somos uma atração, aquelas que não tem permissão para tocar, mas se quisessem, poderiam. Sabiam que as celas continham o poder de qualquer um depois de dentro delas. Se é que tinham. Eu era uma delas, e eu odiava me sentir tão indefesa.

     Eu tinha um chalé lindo na corte primaveril antes disso, pequeno, mas ainda meu, sentia falta da vida que eu construí depois de perder tudo. Mas aí os boatos começaram a correr de novo, logo após eu me livrar daquela ruiva ridícula - que me fazia trabalhar para ela tendo uma faca no pescoço durante todos esses anos.

     Eu pensei que nunca mais teria sangue nas mãos novamente.

     Mas antes que eu pudesse retomar com a minha vida fui pega de novo. Vi a trilha que eles deixaram em volta do meu chalé, eu sabia, mas mesmo assim me troquei e entrei na floresta atrás deles. Três deles me cercaram com facilidade, e me arrastaram como um porco para o abate até a cela. Eles trabalhavam para o rei Hybern, e eu sabia disso, pois todos os soldados que entravam ali gostavam de uma boa fofoca e falavam alto como as prisioneiras.

    Eu não tinha nada para oferecer, não era ninguém especial, mas ainda sim eu estava aqui.

     Eu sentia falta do ar fresco das árvores, sentia falta de quando eu subia nelas sem me preocupar se estão me vigiando ou não, de ser chamada de bastarda pelos meus meios irmãos e não me importar por que pelo menos estava livre para viver como eu bem entendesse. A minha mãe não era muito afetiva, odiava que eu entrasse em casa com os pés sujos de lama, e me obrigava a ajudar o meu padrasto a treinar os meus meios irmãos, mesmo que eu não soubesse o básico que se precisava saber numa luta.

     Eu normalmente só apanhava nesses dias. Era como os bonecos de treino que não se movem enquanto se desfere socos por ele. Tudo que eu aprendi foi a observar, memorizando os ensinamentos que escutava.

     Nos jantares em família eu costumava comer na sacada, abraçada com o meu prato enquanto a minha mãe conversava com a família perfeita que ela construiu depois de mim.

     Com o tempo pensar que não fui boa o suficiente não doía tanto. Minha vida não era perfeita antes da ruiva Amarantha, mas mesmo assim era melhor que temer morrer todos os dias.

      — A ratinha está fazendo barulho –comentou Ellie para mim, e só então eu percebi o barulho que as correntes estavam fazendo. Ela me odiava, mas ela odiava muita gente. — Qual é o problema ratinha? Sente falta dos da sua laia perambulando por aqui? Aqueles bastardos não servem nem para nos alimentar.

Behind the shadows there is iceOnde histórias criam vida. Descubra agora