Capítulo 10

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Estava tudo tão branco, frio e confuso... Parecia um sonho e ao mesmo tempo realidade. Sabia que era um sonho, pois via meu pai e minha irmã, mas ao mesmo tempo continuava ouvindo os sons da batalha e da avalanche.

Gritos e relinchos. Em determinado momento me vi andando ao lado de Qingshan indo à casamenteira, mas então ela começou a gritar meu nome. Era e não era mais minha irmã, era outra mulher, ou outra voz de mulher, e ao mesmo tempo era Ping. Sei que vislumbrei Ping em algum momento em meio ao delírio e a neve e tinha a vaga consciência de que estava com ele, mas o mundo me escapava.

Estávamos galopando no ar.

Estávamos caindo.

Tive a impressão de ouvir gritos estridentes de "a gente vai morrer", mas talvez tenha sido meu subconsciente... Embora eu jamais tenha imaginado que meu subconsciente fosse tão apavorado assim.

Então flutuamos e minha consciência começou a voltar. Estávamos sendo puxados desfiladeiro à cima. Sentia a respiração de Ping e as mãos dele em minhas costas, me segurando. Tensão me preenchia de cima a baixo, mas julguei que fosse pela nossa precária situação.

Me permiti respirar mais fundo quando os demais soldados tinham nos estabilizado em solo firme. Ping engatinhou para perto de mim, parecendo ainda menor, ligeiramente encolhido e mais pálido do que nunca... E cheguei à conclusão de que admirava aquele moleque corajoso.

Ainda assim ele parecia estranho e julguei que estivesse com medo de ser repreendido por ter me desobedecido com o canhão e causado toda a avalanche que quase nos matara. Pensado bem, eu sempre pegava pesado com ele.

— Ping, eu nunca tinha visto um homem louco como você — disse a ele e era a mais pura verdade. As únicas criaturas tão loucas quanto ele que eu havia conhecido eram minha irmã e minha prima, mas elas não contam. São mulheres. — Mas essa sua loucura salvou minha vida. Por isso, de hoje em diante, você tem minha confiança.

Ele sorriu fracamente e quando o toquei senti que tremia, talvez em choque devido a tudo o que tínhamos passado.

— Viva o corajoso Ping, o soldado genial! — gritou Lin, junto dos gritos dos demais soldados em comemoração.

— Ele é o rei da montanha! — completou Yao, sem ressentimentos quanto ao canhão roubado.

Olhamos um para o outro e rimos dos títulos que os outros criaram. Éramos camaradas, amigos de guerra. Sentia-me profundamente grato por tê-lo conhecido. Como Ping ainda tremia o ajudei a levantar, ele pareceu se animar um pouco, mas bastou ficar em pé para se curvar de dor.

— Ping! O que foi?

Ele caiu de joelhos, me olhando sem me enxergar direito. Uma mão firme na lateral do corpo. Ao mesmo tempo em que ele afastava a mão ensanguentada, lembrei-me de Shan Yu golpeando-o enquanto eu ficava paralisado observando a avalanche.

Seria muito cruel o destino tirar-me meu pai que eu tanto admirava e agora este garoto maluco e corajoso que tinha aprendido a admirar.

— É um corte! — gritei para os demais — Não percam tempo! — e ajoelhando-me perto dele continuei repetindo a ladainha para que aguentasse, como se só com a força de minha vontade pudesse fazer com que melhorasse — Ping, aguente. Aguente...

Aguente porque preciso desesperadamente de você.

Mas engoli essas palavras, é claro.

Fiquei ao seu lado enquanto buscavam o médico entre os soldados e enquanto preparavam uma tenda para cuidar dele. Sentei-me ao seu lado o tempo todo, mas não podia abandonar os demais, então enquanto cuidavam de Ping me acerquei do pelotão agora desolado pelo ferimento do amigo. Certifiquei que todos estavam bem, procurei os feridos, organizei para que contassem e buscassem mantimentos... Muito tempo passou sem que nos dessem notícias. O sol se punha no horizonte sem que o médico viesse nos dizer o que estava acontecendo.

Li ShangOnde histórias criam vida. Descubra agora