Capítulo 6

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Eu jurei para mim mesmo que não iria desistir de nenhum, por piores que fossem e mesmo não sendo nada do que eu pedi, frouxos e sem valor e... Certo. Não eram bons pensamentos para ter sobre a própria tropa, mas todas as noites os dedos gélidos da insegurança entravam pelas frestas de minha tenda e me tocavam turvando todos os meus pensamentos.

— Não vou desistir de nenhum — repeti pela centésima vez no escuro da noite enquanto me lavava no interior da tenda. —Vou mudar e melhorar um por um.

Essa era a ladainha que repetia todas as noites antes de dormir. Mudar e melhorar um por um. Não desistir de nenhum. Mas a cada noite eu sentia o entusiasmo e a confiança diminuírem. Será que eu era mesmo capaz?

Cada vez que algo saia errado no treinamento — e todos os dias alguma coisa acontecia — a insegurança voltava. Talvez o problema não fossem os soldados despreparados, mas seu capitão despreparado, afinal a tropa não deveria ser um reflexo do comandante?

Pensamentos ainda menos animadores.

Deitei-me para dormir ciente de que provavelmente não descansaria. Eu acreditava que disciplina e ordem seriam o suficiente para ajudar, para transformá-los em homens, mas talvez eu estivesse errado. Rezei pela ajuda de todos os ancestrais e depois, quando eles pareceram não me ouvir, pedi algo mais simples como que a luz do luar trouxesse inspiração, mas acho que isso também não funcionou. Era realmente mais poético do que prático...

No treino de resistência de hoje, Chi Fu nos acompanhou o tempo todo a cavalo rabiscando em sua prancheta enquanto eu e todos os outros homens corríamos com pesos nas costas, subindo a montanha. Ele parecia cada vez mais descrente de mim e de meus homens e eu sequer podia culpa-lo, — Aliás, ninguém poderia culpa-lo pelo mau humor, Ping tinha incendiado a tenda dele com um canhão. E quase ateou fogo no próprio Chi Fu noite passada — embora por um instante achei que estivéssemos indo bem hoje. Pelo menos todos os homens estavam seguindo em um bom ritmo com os pesos, avançando juntos. E então...

— Parece que você vai perder um dos seus recrutas, comandante — avisou Chi Fu com seu tom de desdém, emparelhando seu cavalo comigo e apontando com o pincel para o fim da fila. Lá estava Ping, mal conseguindo andar.

Poucos passos depois ele tinha caído, talvez desmaiado.

O que me incomodou mais não foi o fato dele ter falhado, mas a culpa que eu senti. Tenho a sensação que posso matar esse garoto a qualquer momento simplesmente por expô-lo a situações pesadas demais para ele, treinos intensos que fazem parte da rotina de soldados, mas para as quais ele não parece ter aptidão ou físico. Sinto constantemente que o lugar dele não é aqui, mas não posso manda-lo embora. E fui duro com ele. Deixei que ficasse para trás, mesmo exausto, sozinho. Não deixei sequer que seu cavalo ficasse com ele, fiz com que descesse sozinho a montanha e quando voltou entreguei-lhe as rédeas dizendo que se não estivesse preparado para se armar e combater, que desistisse.

Quase levantei mais de uma vez para falar com ele. Não sei o que diria, mas alguma coisa. Qualquer coisa.

Ping já vinha falhando em outros momentos. Claro, todos falharam em quase tudo, mas Ping conseguia ficar mais para trás do que todos. Ele conseguira derrubar todos os colegas no primeiro dia de treino por causa de um inseto em sua roupa!

Um inseto!

Eu poderia tê-lo degolado ali mesmo, no meio do treino. Depois ele tentou me engambelar no treino de tiro prendendo o alvo na ponta da flecha. E conseguiu derrubar o balde com água na cabeça no exercício de equilíbrio, quase me acertar uma pedrada, acertar uma pedrada na barriga do outro colega e, ah sim, quase matou Yao acidentalmente afogado o que, obviamente resultou em nova briga entre eles.

Li ShangWhere stories live. Discover now