Capítulo 48

22 14 0
                                    

Se as pessoas pensassem um pouco mais na morte, não deixariam jamais de dar o telefonema que está faltando. E seriam um pouco mais loucas."

-Paulo Coelho

Há alguns meses atrás me perguntaram na aula de filosofia se eu dependia de alguém para viver, respondi prontamente que não, não dependia de ninguém, não era refém e nem me deixava ser. Não me perguntaram se eu dependeria de alguma coisa ou de alguma força desconhecida, e se tivessem me feito essa pergunta hoje eu responderia prontamente que sim, dependo muito de alguém, dependo muito de coisas e pessoas que antes eu nem esperava, e se eu soubesse de isso tudo, teria engolido meu orgulho naquele dia e respondido diferente, se isso fosse o bastante para mudar tudo o que me tornei.

Pelo meu quarto, sob as cortinas há uma fresta de luz vinda da rua, e ao olhar pra fora vejo homens trabalhando em uma construção em frente ao meu quarto, vejo um pedreiro em baixo do sol quente assentando tijolos, e me pergunto se ele já reparou que trabalha em frente ao cemitério, ou se ele já percebeu o quanto tem sorte por ter essa vida, melhor dizendo por ter uma vida. Se ele me visse provavelmente me invejaria neste momento já que estou abrigada do sol, em uma cama fresca, com água e comida quando eu precisar, pensando erroneamente que não necessito fazer nenhum esforço para ter minhas vontades atendidas. Mas ele não sabe que não estou fazendo grande esforço como ele por não querer, mas sim porque simplesmente não posso fazer nada sozinha, ele não sabe que eu trocaria meus cobertores aconchegantes por estar no seu lugar, que eu trocaria esse quarto com ar-condicionado pelo sol escaldante lá de fora, entre tantos fatores pelo principal: eu estaria fazendo algo, estaria movendo meu corpo e minha alma, minha cabeça não pensaria em como meu estado piora cada vez mais. E eu acharia o trabalho algo que significa que eu tenho uma vida e que ao menos uma construção depende do meu suor. Queria que ele soubesse quanta sorte tem por se mover, queria que ele rezasse ao seu Deus todos os segundos abençoando a maravilha de suas pernas e de sorrir quando recebe o pagamento do mês pelo seu serviço cumprido, acima de tudo queria que ele visse o quanto é importante para esse mundo e que fosse grato a todo segundo, mesmo eu sabendo que eu mesma nuca fui grata por nada. Nem me preocupava se existiam pessoas piores que eu, ou se eu estava gastando meu tempo certo, se estava agradecendo aos céus. Tenho inveja dessas pessoas que viveu toda a sua vida, que chegam velhinhas aos pés do próprio túmulo e olham para o que será seu descanso eterno, quisera eu poder descansar depois de ter feito algo que ajudasse o mundo e não descansar enquanto vejo minha vida passar pelos meus olhos, tudo que eu fui, tudo que eu poderia ter sido e no que eu realmente me tornei, sendo que eu gostaria de fazer algo, mas não posso porque tenho que descansar. Porque essa vida que pulsa em mim não pertence mais a mim, pertence às pessoas que me amam porque às vezes é tão difícil segurar essa força dentro do meu corpo que eu penso varias vezes ao dia em simplesmente ceder e passar a pedir a morte do que a vida.

Alguém bateu na porta-pequeno sinal de delicadeza já que eu não podia pedir para entrar de fato- Minha mãe me deu seu melhor olhar de: já acordada? E foi o que de fato disse:

-Já acordada? - Viu só? Sabia tudo! tudinho!

-Não, eu estou com os olhos abertos e dormindo acordada. - é triste não poder fazer piadinha com tudo, as pessoas acabam achando que eu estou sempre triste, na falta de alternativa melhor balancei afirmamente a cabeça, num pequeno aceno.

-Bom hoje você teria físico, mas foi desmarcada e...- Ela estava indecisa sobre o que falar a seguir.

- Como assim não terei ginastica medica? Cadê o Eduardo? A essa hora ele já deveria estar aqui!-E apesar de odiar essas aulas pelo tamanho esforço que tinha que fazer ao menos o Du estava junto.

-Ele não veio trabalhar hoje, digo, seu namor... -ela tinha dificuldades em falar a palavra "namorado" quando se referia ao próprio da filha - Seu medico, não está aqui.

-Então ele ficou dormindo? Me deixou aqui no tedio? No cemitério e sozinha?!- pensei em amaldiçoar sua preguiça e até em mordê-lo mais forte da próxima em que me beijar.

-Sei que quer saber onde ele está, e, bem, ele na verdade está aqui no hospital sim, mas não trabalhando. - pronto, foi o bastante pra me desestabilizar e na falta de poder chingar eu me balancei de um lado para o outro como se estivesse amordaçada e minha mãe ainda bem que entendeu.

-Olha, eu não posso te falar nada, parece que ele veio fazer uns exames. -Sua cara estava ingênua, seus olhos desviavam no meu e na hora percebi que ai tinha e logicamente me apavorei, onde estava ele?

-Mãe, que inferno! Fale logo!- encenei mais uma dancinha de um lado para o outro na esperança de respostas já que não podia gritar, sorte que meus gestos a deixavam mais ansiosa do que se eu tivesse gritado.

-Está bem, ele sofreu um acidente.

Meu queixo caiu abruptamente, eu parei de dançar e a encarei pelo que pareceram séculos até perceber que estava chorando sozinha- Mas que raios estava acontecendo com meu corpo? Eu nunca chorava!

-Mãe, o que houve? - reparei que precisava que alguém limpasse minhas lagrimas já que meus dedos batiam inertes e sem ação nenhuma no meu rosto- Não, não venha pra cima de mim, só me explique o que houve!

-Não precisa me olhar deste jeito! Olha, ele vai ficar bem.

Para a minha salvação doutora Maria entrou no quarto e pela sua cara de espanto eu deveria estar bem mal mesmo. Bom, só sabia que tinha os olhos úmidos e me balançava de um lado para o outro enquanto tentava limpar meu rosto já que eu detestava chorar. Ela olhou de mim a minha mãe e dela para mim.

-Olha, Maria, eu contei que ele teve um acidente... - Mas ela passou reto por mamãe e veio ate mim, falando coisas como "essa mulher não tem tato, não tem paciência!"

-Sas, você está bem?

-Ah sim, ótima! Acabo de saber que meu namorado está ferido e nem sei direito o que ouve e estou bem, poxa vou abrir uma chandon, deixe-me ir buscar.

-É eu sei que não esta- A fitei, com a minha melhor cara de: explique-me.

-Ele sofreu um acidente de carro, algumas costelas quebradas, fraturas e batidas, mas no geral ele esta ótimo. - essa mulher deveria estar brincando né?

-Estou falando serio.

-Não não esta.

-Muito bem então, ele está em estado grave e ao que parece está em coma.

E aparentemente meu mundo desabou, fitei seus olhos pretos e descobri que ela não estava mentindo, olhei para a luz do teto e ela estava estranhamente roxa, engraçado que estava dia lá fora, mas meus olhos viam preto e galáxias, de uma maneira estranha pior do que montanha-russa, vi meu mundo girar. Não sem antes ouvir mamãe brigando com Maria dizendo ironicamente quem tinha mais "tato" comigo. Deixei as galáxias me encontrarem e ter um pouquinho de paz fitei a escuridão.


Meu Presente é a LuaWhere stories live. Discover now