𝗣𝗿ó𝗹𝗼𝗴𝗼

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Heitor Guilherme.

Rio de Janeiro, 2007.

A pingueira continuava caindo cada vez mais dentro do barraco de madeira. A chuva lá fora estava forte e eu observava a Jacira e o Augusto tentando tirar a água que entrava o mais rápido possível.

Suspirei cruzando os braços tentando conter o frio que eu estava sentindo. Quanto mais os dois tiravam a água de dentro do barraco mais a água entrava.

- Tu vai ficar só olhando? - Micael me olhou com raiva, o pivete tinha uns seis anos.

- Você não tá vendo que isso não vai ajudar em porra nenhuma? maior perca de tempo - eu neguei com a cabeça.

- Pelo menos ele tá fazendo alguma coisa, você fica aí só reclamando, seu imprestável - Jacira disse e eu revirei os olhos.

- Fica aí perdendo tempo, isso aqui não mais jeitonão - eu ri e dei de ombros.

Jacira chorava pra caralho, era a única coisa que ela tinha na vida. Era puta, vivia dos luxos mas aí fez a burrice de engravidar e me colocar no mundo. Peito caiu, a bunda ficou flácida e ela não tinha mais o que fazer, então veio parar aqui na gardênia. Vários barraco de madeira em meio ao esgoto e o nosso era um deles que estava se afudando em meio à tanta chuva.

Até os ratos estavam metendo o pé, eles sabiam que não dava pra ficar aqui por mais tempo. Só a louca que tava insistindo em ficar aqui e eu ia fazer que nem os camundongo, ia sair daqui o mais rápido possível.

- Não dá pra salvar nada não, nós tem que meter o pé daqui.

- É a única coisa que eu tenho - ela botou as mãos na cabeça.

- É só tu construir um igual em outro lugar, o barranco tá descendo. Esse bagulho aqui vai cair junto, nós tem que meter o pé.

Ela pegou na mão do Micael e nós saiu de dentro, foi questão de pouco tempo pra nós escutar o estrondo dos barraco caindo junto com o barro e os matagal que tava dentro.

Maior sorte fi, tá doido.

Nós foi andando até uma mercearia que tava de portas fechadas, nós ficou ali em baixo do forró até a chuva passar e depois nós começou à caminhar.

- Tô com fome, mãe - Micael repetia isso pela décima vez, acho que na mente dele só ele que tava com fome.

- Não tenho nada aqui pra você, meu filho - ele abaixou a cabeça e eu revirei os olhos.

Depois de um tempo nós parou em frente à uma igreja, tinha uma senhora entregando sopa. Maior anjo essa coroa, tava numa fome do caralho.

- Valeu aí tia, que Deus te abençoe - ela sorriu e eu sentei no chão levando a colher até a boca.

Micael comia que nem um esfomeado, pegou até do prato da mãe. Garoto egoísta do caralho, ele é o filho preferido dela.

Nós ficou ali até anoitecer, depois nós foi até uma praça, tinha uns banco pra nós deitar.

- Vamos ali - ela levantou pegando na mão do Micael, eu já ia levantar também mas ela me barrou -.

- Ah, qual foi? - arqueei a sobrancelha.

- Não vou demorar, é melhor você ficar aqui - Eu dei de ombros e ela saiu andando com o branquelo.

[...]

Fazia maior cota que eu não via mais a Jacira e o Micael, acho que já tinha passado uns dois meses tendeu.

A filha da puta me abandonou aqui, me deixou à Deus do ara. Quando eu trombar com ela vou ir na reta dela certinho, ram.

Tava cheio de fome, tava à uma pá de dia sem colocar um pedaço de pão na boca. Os caras que fazia o corre aqui já tinham me chamado pra desenrolar uma fita mas eu não ia entrar numa furada dessa não, tá maluco.

Porém quando a fome bate o buraco é mais embaixo, a barriga tava roncando pra caralho e quem tem fome sonha com pão. Suspirei passando a mão pelo rosto, eu tentava dormir pra ver se a barriga parava de roncar mas isso de nada adiantava, quando finalmente consegui dormir, eu acordei com algum filha da puta me cutucando.

- Tá tendo pesadelo, menor? - um garoto bateu na minha cabeça, ele parecia ser uns anos mais velho que eu. - aí senê, chega aqui pô.

Quando ele chamou esse tal de Senê brotou mais uns cinco atrás dele, tudo menor que eu.

- Meu nome é Dadinho e o teu? - ele cruzou os braços botando maior cara de cu, ala.

- Meu nome é Heitor - respondi olhando pra ele.

- Ih ala, nome de viado da porra. - ele riu - esse aqui é o Senegal.

- Adianta essa porra, bora logo, deixa esse menor aí.

- Nós vai fazer o corre e tu vai com nós - ele me puxou pra cima - bora logo.

[...]

O dia foi do caralho, fiz uns corre com o Dadinho e conseguir comprar um lanche. O cara é responsa, trabalha pro dono do morro aqui perto e anda cheio das coisas.

Bati logo o olho no tênis de marca, já tinha visto um desse quando fui pedir comida lá no shopping.

- Tá olhando o que, filha da puta? - ele riu acendendo o cigarro.

- Esse tênis aí, tu pagou quanto? - vesti a camisa que tinha acabado de secar.

- O patrão que me deu - ele riu - se tu quiser um desse, tem que trabalhar pra ele. - Eu assentir.

- Como é que eu faço pra falar com esse cara aí?

- Se tu quiser amanhã nós desenrola esse bagulho ai, agora eu vou meter o pé - ele levantou e bateu na minha mão, depois saiu andando todo cheio da marra.

A chuva caiu e o padre que tava ali logo pediu pra nós entrar dentro da igreja, as vezes ele dava um prato de sopa e umas beca nova.

Logo me estiquei no banco da igreja, melhor que deitar no chão.

[...]

O calor tomava conta do lugar, minha mãos estavam queimadas e eu já sentia as bolhas que se formavam ali.

Os garotos que estavam ali dentro gritavam junto comigo e nós tentava sair desesperadamente enquanto o teto começava a cair.

Era eu por mim, não tinha uma alma pra me ajudar e eu ia meter o pé de um jeito ou de outro. Foi quando eu encontrei uma saída, aquela madeira só ia aguentar o peso de um e não era eu que ia ficar ali.

Se bem que refletindo, morrer tava dando mais lucro que viver nessa vida miserável mas morrer queimado era foda.

Eu saí correndo sem olhar pra trás e quando conseguir sair de dentro da igreja que pegava fogo eu escutei o grito dos garotos lá dentro. Eu não conseguia fazer porra nenhuma pra salvar nenhum deles.

𝗡𝗼𝘀𝘀𝗼 𝗠𝘂𝗻𝗱𝗼 - PAUSADAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora