ONZE

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Encontrei meu pai rabiscando em um caderno de capa amarela. Ao seu lado, uma xícara que tinha como arte, um raio. Ele estava tão concentrado que nem mesmo me viu entrar, passar para a cozinha e voltar à sala. Lembro do poema que ele deixou no banho na casa de praia. Ele gosta de escrever o que vem à mente e acho que herdei isso, o que não herdei foi a habilidade de demonstrar o que sinto. Havia muitas coisas que, se eu pudesse escolher da genética dos meus pais, escolheria algo como: a mão leve da minha mãe para pintura, certeiros e perspicaz traços sem nenhum borrão; a habilidade do meu pai com metáforas; o nariz perfeito da minha mãe. Essas coisas.

— Pai? — O chamo e quando nossos olhares se cruzam eu espero que ele se mostre decepcionado por ter sido interrompido, é o que qualquer pessoa normal faria.

Mas meu pai sorri como se precisasse de mim agora, nesse segundo e nem um outro.

— After... Sente aqui. — sentei-me ao seu lado — Preciso da opinião de alguém sobre isso que estou escrevendo... Comecei quando você saiu. Estava louco para lhe mostrar. Aqui, veja.

Tomo o caderno e analiso a letra do meu pai em azul no papel. A cursiva dele é de dá inveja.

São poemas, mais e mais poemas falando sobre algo que não entendo. Dor e infância, história e cor. Meu pai sabia brincar com as palavras, ele conseguia montar um paragrafo inteiro que podia me fazer rir, e outro totalmente diferente que poderia me fazer chorar. Quando terminei de ler, e demorei o máximo possível para saber todas as letras, eu o olhei e vi como seu rosto estava contorcido em expectativa.

— Está incrível, pai. De verdade.

Então o abracei pelo ombro. Senti o cheiro da loção dele e senti vontade de ficar no abraço um pouco mais.

Devolvi o caderno e perguntei o que ele estava fazendo.

— Ah, eu contatei um amigo. Ele trabalha em uma editora e eu estava pensando em... Talvez... Depois que o bebê nascer... Em publicar um livro.

— Isso... Uau. Que legal.

— Sua mãe disse "Se você fizer isso eu vou ser a primeira a gritar na cara das minhas amigas do Clube".

Esperamos o total de um segundo antes de começarmos a rir.

— Sabemos que ela vai fazer isso mesmo. — Ele diz, o rosto vermelho e ainda com um enorme sorriso.

Um sorriso que transmitia tudo aquilo que ele escreveu desde a dor à cor.

Depois de jantar eu deitei na cama e li mais um pouco do PDF.

Havia cenas que eu meressentia em ler por não estar acostumado, eram palavras diretas demais, eram palavrasque me faziam sentir alguma coisa que eu não conhecia e nem podia nomear; eulia cada vez mais porque não conseguia deixar de terminar um parágrafo e nãocomeçar outro. Em certos momento realmente pensei em parar, mas coisasaconteciam na história e me vi prisioneiro dela por duas horas e meia. Quandofinalmente parei percebi que estava inspirado, percebi que, a ida ao shopping,as risadas com meus amigos, os poemas do meu pai mais cedo e este livro, medeixaram com os dedos prontos para escrever o inicio do meu trabalho.

Agora ou Nunca (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora