Capítulo 2

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"Ao se apagar a vela, não seja o indício de uma tempestade"


— Feliz aniversário! — Meu pai canta, afasta as cortinas, permitindo que os raios solares iluminem meu quarto.

Sento-me no colchão passando as mãos nos olhos inchados, devido a mais uma noite insone, antes de percorrer meu quarto, o celular continua ao meu lado. Todavia, o caderno está no chão com as folhas para baixo, a caneta lhe faz companhia.

Meu pai me olha balançando a cabeça como se lesse meus pensamentos matutinos diários, embora hoje seja um dia diferente e decisivo. Sinto medo do desconhecido futuro que insistentemente, agora, ameaça bater em minha porta numa tentativa de me fazer aceitá-lo.

Papai caminha, abaixa e fecha o caderno, sem demonstrar interesse em ler as variadas páginas do meu desabafo ou um simples relato dos pensamentos constantes que me acompanham nos momentos de solidão.

Respiro fundo vendo-o guardar na penteadeira, voltando em seguida e se sentando ao meu lado com uma linda caixa em mãos.

— Seu presente — ele estende a caixa, sorrindo.

Semicerro os olhos, suspirando em derrota. Meu pai sabe como odeio ser surpreendida, uma das coisas que herdei de minha mãe.

— Não deveria ter comprado nada — digo desfazendo o laço cinza — Só espero que não seja uma chave de casa.

—Sinto informá-la, pequena, este presente não fui eu que comprei — arqueio uma sobrancelha intrigada — É um presente da sua mãe, uma herança de família— ele completa.

— Obrigada— digo o abraçando, evitando chorar. Falar de mamãe não era fácil, principalmente sendo uma iniciativa do meu pai, justamente no dia do meu aniversário.

Depois do acidente me abdiquei de festas comemorativas, das viagens, não suportava, e continuo não suportando a ideia de comemorar sem ela. Uma decisão precipitada, quem sabe, mas nunca será a mesma coisa, nunca seremos iguais.

O conteúdo da caixa é um vestido cinza, bordado, algo que jamais encontraria em lojas comuns, por mais caras e brilhantes sejam os estilistas e costureiras. Este vestido é uma relíquia.

— Vejo-te lá embaixo. Logo aquele garoto virá lhe buscar, a menos que você aceite minha carona.

Ele argumenta, embora saiba minha resposta, continua insistindo.

— O nome dele é Paul Mattis, filho do seu melhor amigo.

— Os pais não escolhem seus filhos — ele diz em tom baixo, dando de ombros.

— Isso foi uma indireta — digo e ele simplesmente revira os olhos — É melhor desistir, Paul e eu iremos para a mesma faculdade e moraremos juntos como amigos.

— Morar juntos! Por que tanta modernidade? — Questiona-se, levantando as mãos para o céu.

— Pai, ele é meu melhor amigo, estaremos em quartos separados e as portas têm chaves. Provavelmente ele conhecerá uma garota de lá — dou uma piscadela, embora essa probabilidade me aterrorize.

—Tudo bem — ele diz mandando um beijo antes de sair.

Novamente estou sozinha. Olho o vestido e o relógio na cômoda, eu poderia perfeitamente faltar à aula, não ir ao baile, pegar minhas malas prontas e me mudar hoje mesmo. Quer dizer não acontecerá nada de diferente, serão mais de cinco horas no lugar que foi minha prioridade por mais de nove anos.

Mordo o lábio inferior, afastando a coberta, colocando meus pés no chão frio. Eu deveria estar eufórica com a possibilidade, hoje uma certeza de nunca mais ser chamada de colegial. Mas como aceitar que um ciclo está terminado e outra se iniciará?

Existe o "não" e o "sim", o "positivo" e o "negativo", duas alternativas e uma extra, chamada: fracasso.

Quando cursamos o ensino fundamental e médio, temos como preocupação a reprovação, enquanto a faculdade significa ser um bom ou ruim profissional, tendo o conhecimento de que outras pessoas dependerão de mim.

Tomo um banho rápido, coloco uma órtese e um apoio no pé, visto uma calça, calço os tênis. Coloco uma blusa escrita paz em diversas línguas, presente do meu avô, dizendo que os jovens precisam de paz, muita paz. Amarro meu cabelo notando o quanto ele cresceu, pego a bolsa e finalmente saio para a cozinha, onde uma mesa cheia de comida me espera.

Meu pai, Rafael, é cozinheiro chefe e quando está nervoso como hoje, costuma exagerar no café da manhã.

Meus olhos fixam demoradamente no relógio da parede,  seis e quarenta da manhã, confirmando o início da minha rotina.




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