Capitulo 7

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"Você é arrancado das ruínas, de seu devaneio silencioso"

Angel – Sarah Mclachlan



Olhar a foto revela sentimentos que prefiro ocultar para não sofrer. É uma combinação de saudade, tristeza e amor. Tantos assuntos que desejei conversar com minha mãe, noite em claro que passei buscando as palavras certas para falar com meu pai o que estava acontecendo comigo e as lágrimas que derramei acusando tudo e todos por me tornarem a garota órfã.

Pode ser um exagero, mas, quando acordei naquele quarto de hospital, eu quis uma explicação das pessoas: eu não queria saber sobre como o caminhão invadiu a estrada, se o motorista estava ou não embriagado. Sinceramente esperava que esclarecessem a minha vida depois do ocorrido, dissessem quais os problemas que enfrentaria, só que essas palavras não vieram.

Resultando na minha adolescência complicada.

Não que eu fosse à garota charada, só não tinha minha mãe ao meu lado, auxiliando na primeira menstruação, as mudanças em meu corpo, quando me apaixonei pela primeira vez ou meu primeiro beijo. Eu não tive a oportunidade de conversar com ela sobre nenhum assunto por mais banal que pareça.

Não era — e não é — fácil ver minhas amigas falando sobre as mães, saindo às compras juntas, as discussões porque a roupa ficou curta ou a falta de cores. Sinto inveja porque elas têm uma que liga tarde da noite se não chegaram a casa, mesmo sendo uma hora inapropriada. 

Essas trivialidades foram vetadas de mim.

E embora meu pai tente suprir a ausência dela, nunca será a mesma coisa.

Só esperava ter uma oportunidade de conversar com ela, ao menos uma vez deitar minha cabeça em seu colo. Ouvir sua voz carinhosa afirmar que todas minhas preocupações irão passar que é uma questão de tempo e paciência.

As lágrimas deslizam em minha face, por mais que eu as seque, outras aparecem seguidas por soluços. Retiro a órtese jogando o mais longe possível, eu não me importaria de ter ficado com outras sequelas se minha família continuasse completa.

As repostas se resumem ao silêncio.

As lembranças surgem. Consigo me visualizar deitada em uma cama no hospital. Estou ligada a aparelhos, a cabeça dói, a luz atrapalha minha visão, enquanto minhas mãos tocam o gesso na perna. Sinto-me perturbada, como se estivesse perdendo algo importante, procuro meus pais, no entanto estou sozinha.

Meu coração acelera e o barulho dos aparelhos chama atenção, pois as enfermeiras e um médico entram rapidamente. Ele faz perguntas que respondo em monossílabas.

Porém, minhas perguntas continuam sem respostas. Eles disfarçam quando digo o nome dos meus pais, enquanto seus olhos demonstram preocupação.

À noite meu pai entra no quarto trazendo um urso de pelúcia, ele sorri, seus olhos estão tristes. Ele questiona se estou bem e quando pergunto sobre minha mãe, ele apenas responde de modo nebuloso.

— Ela está dormindo.

Dormindo é um belo eufemismo.

O médico permite que eu vá me despedir. Vovó entrar um vestido preto, o mesmo que usei quando vovô resolveu dormir numa segunda-feira e não acordou. Ela penteia meu cabelo e diz que pareço com minha mãe, seus olhos estão marejados e suas mãos tremem.

Mamãe está com os olhos fechados, como se estivesse dormindo, sua roupa é azul clara. Ela está pálida coberta de flores, rosas, suas preferidas. Seu rosto sereno evidencia paz. Logo fecham a caixa e seguimos para o lugar onde vovô dorme.

Vejo-a ser guardada enquanto flores são jogadas por cima da caixa, as pessoas choram e papai segura em meus ombros, aos poucos todos vão embora, mas permanecemos um tempo maior antes de voltarmos para casa sem ela.

Ouço batidas na porta, minha vontade de ignorar não se sobressai, talvez o motivo para essa visita consiga afastar meus fantasmas. Levanto-me com cuidado para não apoiar todo peso na perna direita. Passo as mãos no rosto, embora seja difícil esconder o vestígio do choro.

Assim que abro a porta, Paul começa a falar sobre alguma coisa relativa ao jogo, mas se cala ao me encarar. Sinto-me tão frágil, com uma peça de porcelana trincada que a qualquer momento pode se quebrar, e fica no quem sabe.

Ele me abraça sem importar com o fato de estar molhando sua camisa. Fecha a porta com o pé enquanto me pega no colo como uma criança indo em direção à sala.

— Queria tanto que essa dor passasse — digo como se minha afirmação apresentasse alguma melhoria.

— Shii, eu estou com você agora — beija minha testa —Vou cuidar você sempre. Eu prometo bruxinha.

Suas palavras me consolam, dando-me a sensação de tranquilidade. Os soluços findam, embora as lágrimas continuem a deslizar minha face, a dor começa a regressar. Paul é sincero e, por isso, me sinto protegida e segura.




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