Capítulo 3

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 Paul

Ligo o solo de guitarra, pego minhas baquetas, sentando em frente à bateria. Ainda é cedo para buscar Valentina, conhecendo-a bem, poderia apostar que ela passou a noite escrevendo.

A primeira vez que a vi, estávamos na oitava série, ela tinha se mudado com o pai, Rafael, um cozinheiro chefe que abandonou a carreira de advogado, melhor amigo do meu pai. Era estranho ter um advogado tão conhecido em nossa cidade, principalmente com essa súbita mudança.

Valentina era mais alta que eu, os cabelos loiros iam até a metade das costas, usava uma tiara com borboleta do lado, o rosto em formato de coração. Suas bochechas avermelhando sempre que sorria, ressaltando algumas sardas. Os olhos verdes marcantes, os longos cílios, o nariz fino e os lábios rosados.

A garota mais linda que conheci. Ninguém capaz de se igualar a ela.

Quando Valentina surgiu na sala, todos cochichavam e riam, enquanto o professor nos fitava com a expressão séria. Eu não compreendia o motivo, qual a piada, seria inveja?

O professor pediu que ela se sentasse ao meu lado e só então percebi o que meus olhos ignoravam. Ao caminhar Valentina apoiava em uma das pernas, arrastando a outra com dificuldade, se observasse bem, notaria o aparelho a perna direita.

Aquilo não diminuía minha admiração por ela. Na verdade, crescia em mim, uma necessidade absurda de protegê-la, de dizer que ela era a menina mais linda da escola.

Eu estava curioso em conhecê-la, seguia seus pequenos movimentos, o colocar da mecha do cabelo atrás da orelha, notando que usava brincos também em formato de borboletas combinando com a tiara. Sua voz era melodiosa e suave, tom baixo, sempre educada e amável com todos, transmitindo simplicidade e timidez.

— Paul, o café está na mesa — minha mãe grita, tirando-me dos meus devaneios.

Arrumo-me rapidamente, jogando tudo que encontrava pela frente dentro da mochila, embora fosse uma tarefa desnecessária. Nenhum professor seria maluco em passar atividade ou algum trabalho para ser entregue, estamos praticamente nos despedindo da escola, iríamos somente para ouvir um discurso do diretor, ver o time de futebol atuar pela última vez e despedir daqueles que não esperariam o baile para viajar.

Saio do quarto em direção à cozinha encontrando toda família reunida, eu sentiria saudades desse momento. O cheiro de café no ar, as panquecas em cima da mesa, meu pai lendo o jornal, minha mãe em volta de mesa preocupada em nos ver comendo, segundo ela, a única forma de ter certeza que não estávamos doentes.

Como costume baguncei o cabelo de Rebeca, que resmungou como sempre.

— Quando irá crescer? — Pergunta olhando-se no pequeno espelho.

—Eu tenho 1,90 m — respondo, sabendo que não era isso que ela se referia.

Dei um beijo em dona Sage, dois tapas no ombro do meu pai, pegando duas torradas e acompanhando do nosso cachorro Rex. Andei até a garagem, mesmo com os protestos de minha mãe, sobre eu precisar tomar um café da manhã reforçado.

Adentrei no carro dando a partida, saindo com cuidado para não atropelar o carteiro sendo perseguido por Rex.

Eu sentiria saudades de casa, da nossa pequena cidade, saudades da tranquilidade que nos é proporcionada. Através dos meus pensamentos recordando da infância, dos momentos de travessura com a turma da rua, cheguei à casa da família Nogueira em quinze minutos, vendo Valentina abrir a porta e caminhar até o carro com a mochila de lado, sorrindo.

—Bom dia— ela diz colocando o cinto de segurança. —Dormiu tarde ontem? — Pergunta, embora seja uma acusação.

—Bom dia, bruxinha — respondo vendo-a franzir o cenho com o apelido — Não dormir tão tarde, acho que nunca conseguirei ganhar de você.

— Concordo, Paul — me olha sorrindo. — Mas eu adoraria conseguir uma única vez dormir tranquila — sussurra.

— Então... como se sente no último dia de aula colidindo com o seu aniversário?

Valentina arqueia a sobrancelha.

— Sou seu amigo, pensou que eu iria esquecer? É uma pena que não postei nas redes sociais.

— Vamos fazer o seguinte, esquecer que é meu aniversário até o sinal bater pela última vez, depois eu aceito até uma festa surpresa.

—Tudo bem, bruxinha, acho que posso devolver seu presente na loja.

— Idiota— ela diz batendo no meu braço.

—Hey! Estou dirigindo — digo.

— Meu pai me entregou um presente hoje de manhã, era da minha mãe — ela sorri. —Ele tentou me fazer mudar de ideia quanto à mudança, não consegue confiar em você, como se fosse possível nós termos alguma coisa.

— Como se fosse possível— repito sem entusiasmo. Valentina sempre me veria como um amigo.

Estaciono, as pessoas estão sorrindo, despreocupadas, falando sobre o baile. Valentina para ao meu lado, olhando o prédio onde passamos grande parte da nossa vida buscando aprendizados que, provavelmente, não usaremos nem a metade.

— Preparado para a última tortura? — Ela pergunta divertida, passando o braço em volta do meu, encostando a cabeça em meu ombro.

—Vamos lá — respondo antes de caminharmos em direção a entrada.



Posso dançar com você?Where stories live. Discover now