Confusão

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Da janela do quarto, Nagai observou quando duas figuras mais jovens entraram portão adentro. De pé, em frente a persiana aberta, deixava a fumaça do cigarro fazer seu caminho até o exterior da residência Okumura. Dando mais uma baforada, estreitou seus olhos para imagem no térreo. Seu sobrinho desacordado nos braços daquele que dizia ser seu amigo.

Ash segurava Eiji com firmeza e delicadeza, como se carregasse algo muito precioso nos braços. Sua expressão era de uma serenidade pura, e perceber isso fez o estômago de Nagai revirar. Apesar do que disse sobre a amizade entre aqueles dois, dias antes, desde então ele passou a duvidar da sua primeira interpretação. Os outros poderiam ser burros, mas ele não era. Nagai era familiarizado com o olhar de pessoas apaixonadas. Era um olhar irritante, de quem sorria com os olhos e conversava sem verbalizar. Seu irmão e sua cunhada eram o exemplo mais próximo, mas não o único. Nagai já conheceu muitos casais apaixonados, apesar de que ele nunca conheceu um olhar apaixonado direcionado a ele. Medo, ódio e luxúria... sim, ele já havia sido alvo desse tipo de olhar, mas nunca um olhar de amor. Naquele dia que confrontou Ash, ele pôde ter um deslumbre desses sentimentos. Ódio puro e inesgotável. Tão quente que Nagai poderia ter caído das escadas com aqueles verdes fulminantes. O próprio inferno incandescente.

Mas Nagai não se distanciaria. Jamais. Desde que se encontrou com Ash pela primeira vez, o empresário não conseguiu esquecê-lo. Sabia que revê-lo era uma esperança inútil, mas acabou acontecendo. Ao vê-lo novamente, de pé, em frente a ele, naquela fatídica manhã, era quase como se duvidasse da própria realidade. Era como se Nagai voltasse anos antes para aquele bordel luxuoso, cheio de rostos exóticos e corpos pueris. Até mesmo o cheiro pungente de incensos podia ser sentido. Agora, Ash não era mais aquele menininho feito de louça, era um homem feito e terrivelmente belo.

Em toda sua vida, Nagai sempre teve o que quis. Não ter tido Ash naquela primeira vez, feriu duramente seu orgulho. Entretanto, lá estava aquele jovem diante dos seus olhos. Se antes um anjo inacessível, agora há dois passos de distância. Nagai reuniu todo seu autocontrole construído em anos para não atacar aquele que havia sido o rosto responsável pelos seus sonhos mais eróticos. Ele seria capaz de tomar Ash ali mesmo no chão. Beijaria e morderia tantas vezes aquele pescoço alvo que não restaria um lugar que não fosse marcado de vermelho.

Desde então os dias haviam se passado e nenhuma das suas expectativas foram sanadas. No início achava puramente instigante aquele jogo de gato e rato, mas ele já estava chegando no seu limite. Frustração o dominava. Para completar, Nagai sentia que conforme ele distanciava-se do seu objetivo, seu sobrinho aproximava-se. Tudo que ele planejou para Ash, tudo que ele reivindicaria para si, agora parecia ser tomado por outro.

Nagai mordeu seus lábios. Depois de tudo ele não podia ser imprudente. Não depois dos sinais que andava evidenciando. Para começar, ele nunca foi de frequentar tanto a casa do irmão. Pelo menos agora tinha a desculpa das festividades. Além disso, ele havia sido descuidado. Deu presentes para o sobrinho e para Ash. E no dia anterior convidou-se para sair com Ash, Mamoru e Eiji - o que obviamente era muito estranho. Até mesmo Takeshi notou. Somente mais tarde, naquele dia, Nagai deu-se conta do quão estúpido foi. Depois de anos tentando alimentando uma imagem perfeita, lá estava ele, deliberadamente destruindo tudo que tinha construído.

Autocontrole. Era apenas isso que fazia com que o empresário não saísse porta afora e inquirisse Ash sobre seu relacionamento com o sobrinho. Afinal, ele estava tendo um caso com Eiji? Se não fosse tão óbvia aquela relação, Nagai poderia rir de tal constatação. E pensar que o sobrinho lerdo e sem graça poderia seduzir alguém como Ash. Eiji não tinha grana e não era exatamente um exemplo de beleza. Seria Eiji bom de cama? Dessa vez, Nagai não conseguiu conter o riso. Obviamente Eiji não era esse tipo de pessoa. Devia ser tão desajeitado que broxaria o mais vigoroso dos homens.

One more time, One more changeWhere stories live. Discover now