Ausência

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Assim que Pedro partiu, Ana começou a chorar. O dia estava claro e com uma temperatura amena, o céu era de um azul vibrante, enfeitado com nuvens. Os pássaros cantavam na macieira ao lado da casa, aquele canto matinal que sempre inspirava Ana. Mas naquele momento ela não via graça ou beleza em nada. A saudade lhe sufocava o peito e o temor pela ausência do marido a assustava. Para quem correria se precisasse?

Passou a manhã inteira envolta em melancolia. Tão logo viu em cima da lareira uma pintura do marido, repreendeu-se por lamentar como viúva, pois seu marido ainda vivia. Lembrou-se de uma das instruções de Pedro:

"Tenha bom ânimo, Ana." Ele lhe disse. "Seja firme e não desanime."

Ana se levantou, lavou o rosto com água gelada, limpando-se do rastro das lágrimas. Trocou de roupa, penteou os cabelos e se arrumou para enfrentar aquele dia. Varreu o chão da casa, preparou para si mesma um bom desjejum, nutriu-se de energia e repetiu para si mesma: "Por que choro assim, se ele disse que voltaria?"

Dias depois, algumas vizinhas, a visitaram para lamentar com Ana a partida de Pedro. Encontraram, no entanto, Ana ocupada com seus afazeres, arrumando a casa, alimentando os bichos da fazenda, regando as plantas do jardim, dando ordens aos homens que trabalhavam ali.

"Como pode?" disse Alma, uma das vizinhas.

"Por certo não amava o marido! Veja, nem lamenta!" Comentou Dulce, outra vizinha.

"E nós aqui, lamentando por ela." Disse ainda uma terceira, chamada Maria.

Ana notou as mulheres paradas na entrada da fazenda e foi até elas. Embora ainda sentisse em seu coração vestígios da tristeza, Ana sorria. Ela tinha uma promessa do marido e por hora isso bastaria.

"Boa tarde!" Cumprimentou as vizinhas.

"Como vai, Ana?" Perguntaram.

"Estou bem."

"Bem?" Perguntou Alma.

"Em seu lugar, eu estaria desesperada." disse Maria.

"Eu não me desespero, o que me adiantaria? Eu espero e creio somente." Ana respondeu.

"Seu provedor se foi, sabe-se lá se um dia vai voltar." disse Dulce.

"Ele voltará, foi o que me prometeu." Respondeu Ana.

"E quando volta?" Maria questionou depois de cochichar com Alma algum comentário maldoso.

"Não sei. Mas não se preocupem comigo, Pedro não me deixou desprotegida. Antes de ir, organizou nossas finanças, quitou nossas dívidas, encheu a despensa e consertou os buracos no telhado. O que não pôde fazer, deu orientações para que eu fizesse sozinha." Ana explicou. "Ficarei bem e de nada terei falta, exceto do meu marido."

"Muito bem, não seremos nós a desanimá-la. Tenha uma boa tarde!" Disse Alma antes de ir embora.

Será que as vizinhas tinham razão e seria tolice dela se alegrar na esperança de que Pedro voltaria? Será que deveria se desesperar, chorar e lamentar?

***

Semanas depois, as vizinhas voltaram. Aquela altura, Ana já deveria ter voltado a si e se dado conta de sua terrível situação. Encontraram Ana na beira do lago, junto ao menino que cuidava das cabras, os dois rindo do patinho recém saído do ovo que brincava feliz na água. Ela ria, admirando quanta graça existia naquele bichinho que vivia despreocupado das desventuras da guerra e dos males que poderiam lhe sobrevir na vida. Decidiu permitir-se sentir semelhante alegria e confiança. Pedro lhe disse antes de partir que ela se alegrasse com as pequenas coisas da vida.

"A vida é cheia de pequenos momentos, bem mais que dos grandes e extraordinários acontecimentos. Se conseguir enxergá-los, Ana, achará tanta felicidade nos seus dias. Se buscar apenas as coisas grandes, encontrará a insatisfação e a infelicidade." Pedro disse e Ana escutou.

As vizinhas, apenas a observaram de longe e saíram fofocando sem ao menos cumprimentar Ana. Estranharam encontrá-la em tão bom humor e disposição. Por certo, não era um comportamento normal, qualquer uma temeria.

Naquela noite, como em todas as últimas desde a partida de Pedro, Ana acendeu a lareira, pois o frio logo chegaria, sentou-se sozinha na poltrona que antes dividia com o marido e tomou uma xícara de leite morno e comeu torradas antes de ir dormir.

Ainda podia sentir a presença do marido em tudo ao redor dela, ele ainda habitava em cada detalhe daquela casa, na mancha de chá no chão de madeira da sala, na marca de carvão na parede ao lado da lareira, na carne de porco enrolada em papel sobre o fogão de lenha. Pedro se fora, mas sua presença continuava na vida de Ana, era impossível se sentir sozinha ou infeliz.

Desde que se casaram, ela vivia por ele e não saberia viver de modo diferente. Ele lhe pedirá fé e fé nele, ela teria até o fim de sua vida. Assim, continuou a vida após tão dura despedida.

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora