O preço da traição (e o valor do perdão)

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Começou uns seis meses antes, Ana foi contabilizar a venda dos produtos da fazenda junto ao contador do vilarejo e percebeu que as contas não batiam. Não entendia muito de números, mas sabia as quatro operações básicas e nesse caso, era uma soma simples, no entanto o resultado divergia do valor que tinha em mãos. Era uma diferença pequena, que ela julgou ser um erro de anotações ou algo similar. Não chegava a ser algo que realmente fizesse a diferença, então logo esqueceu-se do assunto. A gente tem mesmo a mania de desconsiderar coisas pequenas, mas são elas que quando somadas acabam tendo mais peso no fim. 

Nas semanas seguintes, faltou feno e ração para os bichos. Ana era cuidadosa com essas coisas e tinha certeza de ter separado a quantidade de moedas certas para comprar esses itens para durarem pelo menos até o meio do mês seguinte, mas de alguma forma não durou. 

Os homens que trabalhavam na fazenda também estranharam, mas como nunca havia acontecido antes, pensaram ser um erro a toa. Apenas Augusto pensava diferente e colocou a culpa no aumento do preço por causa da guerra que não terminava.

Ana deu mais dinheiro e pediu aos homens que verificassem se a distribuição de ração estava correta e que usassem menos feno quando o tempo estivesse bom. Sentia saudades de Pedro quando ocorria algum problema na administração da fazenda. Ele era tão bom com essas coisas, bom com todas as coisas, para falar a verdade. Ela tentava ser como ele, mas não conseguia chegar perto. Às vezes se envergonhava por suas falhas, deveria ter sido mais atenta às palavras que Pedro lhe dizia sobre como conduzir a vida, talvez assim, não errasse tanto.

Tempos depois Henry veio até ela. Ana estava recolhendo a roupa do varal quando ele chegou e foi direto em sua direção com passos pesados.

"Bom dia, dona Ana!" ele disse timidamente.

"Oi, meu rapaz. Está tudo bem? Suas feições me preocupam. Aconteceu alguma coisa, não foi?"

O menino que cuidava das cabras deu de ombros e passou as mãos pelo cabelo. Parecia severamente preocupado e intrigado. Era fácil ler as expressões dele, ainda mais para Ana que o viu crescer de perto.

"Dia desses, eu senti falta de duas de nossas galinhas. Pensei que estivessem passeando ou ciscando além do galinheiro, mas elas não retornaram. Procurei pela fazenda e não encontrei nada." Ele parou de falar e suspirou pesadamente. 

"Depois outra galinha sumiu e eu temi que fosse um gambá ou algum animal selvagem e tomei mais cuidado com o cercado." Ele continuou.

"E o que foi?" Ana perguntou aflita. O rapaz parecia lutar com temores cruéis dentro de si. Ela o conhecia bem e conseguia ver sua inquietude.

"Não teria como uma animal entrar no galinheiro dessa vez, mas mesmo assim outra galinha sumiu ontem." Ele explicou.

"Não deve ser nada demais, Henry. Não se consuma por isso." Ela tentou acalmá-lo.

"Dona Ana, eu estava vindo para a fazenda essa manhã e vi uma mulher vendendo alguns animais e legumes na feira. Tenho certeza que as galinhas que ela ofertava, eram nossas." Henry disse.

Ana sentiu uma pontada estranha no peito. Recolheu do varal dois lençóis que secavam e os colocou no cesto que estava no chão ao lado se seus pés. Passou para um terceiro lençol e encarou Henry.

"Elas devem ter fugido e alguém as pegou. Não seria a primeira vez que isso acontece, não é? Nem todo mundo tenta devolver quando acha algo que não lhe pertence." Disse.

"Hoje de manhã, notei que um dos cabritinhos não estava no cercado junto com os outros. Eu mesmo o guardei ontem, dona Ana. Ele ainda não é muito forte, é um filhote que tropeça nas patas, não teria como sair sozinho do cercado e se saísse, não iria muito longe." Henry continuou.

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora