A virtuosidade da rotina

83 16 2
                                    

Antes do sol despertar atrás das montanhas, Ana já estava de pé. A cama arrumada com o cobertor de retalhos marrom esticado com perfeição e um vaso de flores  com  seis margaridas posto no tronco de madeira que lhe servia de mesinha.

Lavou o rosto com água fria em uma bacia, penteou e trançou os escuros cabelos longos, vestiu- se com seu vestido azul escuro e pôs um avental branco por cima, abriu a janela do pequeno quarto e então fez as preces.

Na cozinha, acendeu o fogão a lenha e aqueceu a água para fazer café para os dois homens e o menino que trabalhavam na fazenda e em breve chegariam. Esses tinham sido rejeitados pela grande guerra pela idade um pouco avançada ou ainda insuficiente ou outro motivo ainda oculto, um milagre ou algo assim. Pedro os escolheu e treinou enquanto a guerra ainda era um rumor de mau gosto. Ele era um homem sábio, Ana tinha certeza disso. Fez tudo para cerca-la de cuidado e proteção enquanto ele não estivesse por perto. Só em sua ausência ela se deu conta disso: ele nunca a deixaria desamparada.

Passou o café e o cheiro amargo e familiar invadia a pequena cabana. Ela secou a lágrima que escorreu pelos olhos quando lembrou-se de Pedro ali, toda manhã. Ele saia do quarto e chegava a cozinha coçando os olhos assim que sentia o cheiro de café fresco.

A memória dele ainda estava viva na mente de Ana como se tivesse vivido tudo aquilo no dia anterior. Ela meditava dia e noite nas palavras e atitudes do marido durante os três anos iniciais do casamento, quando ele ainda estava com ela. Só assim Ana conseguia passar por todo aquele período de afastamento e lidar com as oscilações de suas emoções.

Ana saiu da casa, passou no galinheiro e recolheu alguns ovos. Observou o feno no celeiro e acariciou a cabeça de um bezerro. Os homens deveriam trazer mais feno e palha para os animais.

Levou os ovos para a cozinha. Pegou um balde e voltou ao quintal, para tirar um pouco de água no poço de pedras. Viu a cerca ao longe e reparou na madeira caída de lado. Tinha que se lembrar de avisar aos homens para consertá-la depois.

O menino das cabras chegou, era sempre o primeiro a chegar. Ana estava ordenhando uma das vacas e deu a ele um copo de leite fresco, antes de se retirar e deixar que ele terminasse o trabalho. Era um bom menino e ela gostava de se sentir cuidando dele.

Os outros trabalhadores chegaram pouco depois. Se serviram do café que Ana havia feito. Comeram o milho que ela tinha deixado cozinhando com um pouco de manteiga. Ela explicou o que precisava ser feito naquele dia além dos trabalhos habituais. A cerca, o feno... Tinham verduras já prontas para serem colhidas e vendidas no vilarejo. Alguns legumes seriam destinados para a doação e ela indicou tudo com cuidado.

Os homens gostavam de Ana e muito a admiravam e  respeitavam. Era uma mulher bonita,  doce, forte e gentil.  Também era uma boa patroa e às vezes mais séria do que Pedro costumava ser.

Enquanto os homens tomavam seus lugares e afazeres, Ana cuidou do jardim com as próprias mãos. Viu margaridas e bromélias, rosas e girassóis acenderem com o nascer do sol e enfeitarem a frente da cabana. Arrancou ervas daninhas, podou algumas das roseiras e revirou a terra no pé de um pequeno arbusto.

Depois Ana se sentou na varanda lateral da cabana. Perto da macieira, onde Pedro adorava ficar e ler para ela. Ana enfiava a linha na agulha e pensava no marido. Tentava se lembrar da imagem dele e do som de sua voz, de sua ternura e bondade.

"Ah, Pedro, mal vejo a hora do seu retorno!" Pensava. "Como gostaria que estivesse aqui comigo."

Às vezes sentia o vento acariciar seu rosto corado e espalhar seus cabelos pelo ar, então teimava em imaginar se não seria Pedro lhe confortando devido a ausência e tentando lembrá-la que mesmo que não parecesse, ainda estaria ao seu lado.

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Where stories live. Discover now