O partir do pão e o tempo de escassez

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A grande guerra sempre afetava os mais fracos e pobres dos homens. Dessa forma, veio sobre algumas casas do Grande  Vale da Esperança, tamanha desesperança.  Era o auge do inverno, tempo em que as colheitas cessavam, não havia trabalho e a comida faltava aos imprudentes e homens sem sorte.

Muitas mulheres, assim como Ana, ficaram sem seus maridos e filhos mais velhos por causa da guerra. Despreparadas para cuidarem do que tinham ou obterem seu sustento, foram atingidas cruelmente pela escassez que a guerra trazia. Era sempre assim...

Veio sobre elas fome impiedosa e feroz, havia tanta fome e tanta falta que criancinhas choravam e esqueciam das brincadeiras e do riso. Os homens mais velhos se curvavam e escondiam o rosto, para não mostrarem as lágrimas do desespero.

A despensa de Ana estava abastecida, seu celeiro estava cheio, seus animais protegidos. Nada lhe faltava como Pedro havia prometido. Ela, enternecida com aquela situação que atingia a sua vizinhança, repartiu tudo o que tinha.

"Pedro me pediu para ser boa e ajudar quantas pessoas pudesse." Ana pensou. Essa era outra das instruções do marido.

Das moedas que recebia da venda dos ovos e do leite que os animais da fazenda lhe concediam, dava sem receios a quem pedia. Pagava seus funcionários, cuidava de seus animais, pagava suas contas, tirava para si uma pequena parte, o suficiente e nada mais.

Ajudou  a inteirar para o mingau do bebê da vizinha e para pagar a costura do casaco do menino que cuidava das cabras. Deu dinheiro para o reparo do telhado da casa de Alma, para que não sofresse com a chuva. Pagou as contas de outra vizinha na loja de mantimentos. Dava tudo quanto podia e quanto mais se esforçava para ajudar, mais parecia que tinha.

"Ela é louca!" disse uma das vizinhas.

"Vai gastar tudo o que Pedro lhe deixou ajudando essa gentinha."

Todas as vezes que pensava só em si e seu egoísmo tentava convencê-la a não doar-se tanto aos outros, Ana trazia à memória a imagem do marido e logo todos os pensamentos ruins se dissipavam. Pedro era a pessoa mais generosa que ela já havia conhecido, como poderia não ser igual a ele?

Ana não temia, tinha em seu coração a alegria de fazer o que Pedro lhe havia pedido. Seria cruel guardar para si tanta fartura enquanto outros nada possuíam.

Durante todo aquele período de fome e desgraça, Ana ajudava a quem podia. Se ela tivesse dois pães, um dava ao vizinho, se duas cobertas a aquecia, uma seria entregue ao vigia que do lado de fora e sobre o ar gélido da noite guardava os portões do Grande Vale da Esperança. E se Ana, nada tivesse a oferecer, de bom grado seria companhia e emprestava o colo as crianças  e o ombro amigo para aqueles que buscavam consolo.

Ana tinha em seu coração tal esperança de que Pedro voltaria, que isso bastava para que não temesse os maus dias.  Pedro lhe havia avisado que eles viriam. Ele pediu apenas que ela fosse forte e esperasse, pois tudo passaria.

Enquanto Pedro não voltava, Ana esperava, não uma espera inerte. Ela agia como imaginava que o marido faria se ali estivesse. Fazia o que ele havia orientado e fazendo isso, se sentia tão próxima dele que não podia cogitar em fazer diferente.

"Se estivesse aqui, Pedro também ajudaria." pensava "Ele não se abateria!"

Por muitos dias, a esperança era tudo o que Ana tinha e isso bastava. Da esperança que tinha dava a todos do Vale, falava para confiarem na providência divina, contava que aquele tempo de trevas em breve passaria. Quando a guerra findasse a paz e a fartura lhes sobreviria.  Ah, que tempos bons seriam!

Ele disse que voltaria (Conto Cristão)Onde histórias criam vida. Descubra agora