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Onde já se viu uma mulher levar o filho na lua de mel? Eu disse para a minha mãe que isso era ridículo.

— Mas agora somos uma família — insistiu mamãe. — Eu, você, Dan e Penny. É isso que famílias fazem. Saem de férias juntas. E já faz anos que não tiramos férias de verdade, Louis. Você sabe, desde que seu pai morreu...

Argumentei que lua de mel não eram férias em família, uma discussão que obviamente não venci, considerando que, uma semana depois, eu estava no convés do Enchantment of the Seas, o maior e mais caro cruzeiro do mundo.

Foi aí que o vi pela primeira vez. Ele.

Estava sozinho em uma imensa varanda na extremidade do navio, bem acima das pessoas e dos paparazzi reunidos nas docas, tirando fotos do famoso navio e dos passageiros que partiam nele.

Só que ele não olhava para as docas. Olhava para mim.

Embora àquela altura eu devesse estar acostumado com isso — ultimamente as pessoas sempre me olham e cochicham sobre mim — , ainda assim foi um choque. Eu estava dez andares abaixo dele, na sacada do tamanho de um selo da "cabine padrão externa" que dividia com minha nova meia-irmã. Como ele encontrou o meu rosto entre os milhares de outros abaixo?

Para mim foi fácil achar ele. Era uma figura muito perceptível ali, na varanda — a maior do navio — alto, de pele alva e anguloso, a cintura magra se tornando um peito forte com ombros largos que mostravam, mesmo de longe, que ele malhava...

Ainda assim, o cabelo com cachos despenteados dele também me agradou, porque quem quer um cara que se preocupa mais com o próprio cabelo do que você?

Não consegui distinguir os detalhes do rosto dele, porque parecia que a tempestade tropical estava se aproximando. O céu estava roxo como um hematoma e lançava as feições dele em sombras misteriosas.

Foi assim que decidi que pensaria nele; como meu garoto sombrio e misterioso. Eu o chamava de meu porque havia alguma coisa nele, além da sombria aura de mistério: parecia triste, tão sozinho naquela varanda imensa.

A terapeuta que comecei a frequentar depois da morte de meu pai teria dito que aquela última parte era uma projeção (mas eu costumava argumentar que não via nada de errado em ter pequenas fantasias inofensivas).

"Uma coisa é fantasiar, Louis", diria a Dra. Ivy. "Recusar-se a enfrentar a realidade porque tem esperanças de algo que jamais existirá é outra inteiramente diferente. Na psiquiatria chamamos de delírio."

Ainda bem que a Dra. Ivy não sabe da pilha de romances que eu tinha enfiado na minha mala para não ter que enfrentar a realidade daquelas "férias".

— Ai, meu Deus, olha só aquele gato na suíte real!

Foi quando percebi que minha nova meia-irmã Penny também tinha visto o sombrio misterioso.

— Meu Deus, por que não trouxe meu binóculo? — Penny disse. — Ele está olhando pra cá? Acho que está! Louis, você e aquele garoto já estão de azaração? O navio ainda nem saiu do lugar e você já está provocando um cara fofo! Pelo menos eu acho que é fofo. Ele é? Sei lá, está longe demais. Ah, bem, quem se importa, ele é rico, se está na suíte real! Você tem ideia de quanto custa uma daquelas?

Penny pegou um dos folhetos que nos entregaram quando fizemos o check in. Na capa, havia um grande S decorado... A mesma letra S gravada no vidro da porta de correr da nossa sacada. O S era de Royal Styles Cruise Lines, a empresa proprietária que operava o Enchantment of the Seas.

— Está vendo, aquelas varandas lá em cima são só para passageiros VIP. Qualquer um que fique na suíte real tem um duplex exclusivo! — Penny leu o folheto em voz alta. — Além de vista panorâmica por janelas que vão do chão ao teto, uma imensa suíte máster com hidro, TVs de tela plana, wi-fi, salas de estar e de jantar e um mordomo exclusivo...

Céus, ela não sabe calar a boca.

A voz de Penny ficou mais aguda ao descrever todos os confortos que recebiam os passageiros da suíte real, comparando conosco, das "cabines padrão externas".

— Nós deveríamos ter ficado na suíte presidencial também — Penny disse indignada. — Mas você deu para mamãe e papai! Ah, por que, Louis, por quê?

— É meu presente de casamento — falei, sorrindo quando ela disse mamãe e papai. Era estranho mas legal ouvi-la chamar minha mãe de mamãe. — Não acha que os recém-casados merecem aquela suíte?

— É, acho que sim. — Penny soltou um suspiro. Embora às vezes ela falasse coisas sem pensar, eu sabia que não havia um pingo de maldade em Penny. — Mas o cruzeiro deu o upgrade para você. Imagina só, a gente podia ter nosso próprio mordomo também. — Ela voltara a olhar aquele folheto. — Enquanto as cabines padrão dividem um.

— Para que precisaríamos de um mordomo?

— Bom, ele podia achar um lugar para todos esses livros que você trouxe, por exemplo — disse Penny com ironia. — Sabia que existe uma coisa chamada e-book?

Antes que eu pudesse dizer a ela que gostava de sentir o cheiro de um livro e pegar nele, ela continuou a ler o folheto.

— Louis, sabia que existem quatro piscinas, um spa, uma academia de última geração com aulas de ioga, vinte e cinco restaurantes, uma sala de cinema, sete boates, um cassino e um shopping neste navio? Como é que você vai achar tempo para ler todos esses livros quando tem tantas atividades realmente interessantes pra fazer?

Sorri para Penny. Eu gostava dela, apesar da sua dificuldade de se calar as vezes, mas eu estava feliz por minha mãe ter casado com o pai dela.

Mas sinceramente, eu esperava que ela não lesse aquele folheto a viagem toda.

— Vou achar tempo — respondi com um sorriso. — E o sombrio misterioso pode ser rico — acrescentei, mudando de assunto para algo que parecia mais seguro do que a indignação dela com minha preferencia pelos livros em vez de minigolfe, ou o fato de eu ter dado a nossos pais o camarote que o cruzeiro me ofereceu — , mas acho que ele parece triste.

— Triste? Por que estaria triste? — Penny disse surpresa. Ele está em um cruzeiro de vinte dias no Enchantment of the Seas e tem dois andares inteiros só para ele. Você é quem deveria estar triste: tem que dividir uma cabine padrão ridícula com a sua irmã emprestada mais nova e irritante.

Sorri mais uma vez.

— Não estou triste por isso, e você é só dois meses mais nova do que eu. E bem, talvez você seja meio irritante mesmo...

Ela me socou de brincadeira, e eu me abaixei, rindo.

— Eu estou triste porque daqui cinco minutos terei que me arrumar e pousar para a Mont Blanc do navio — falei com um suspiro —, já que sou o novo rosto da Mont Blanc, e eles descobriram que estou a bordo.

Que férias eu teria. Por isso sabia que seria má ideia vir também.

— Lamento por isso. E eu tive notícias ainda piores. Fomos convidados a nos sentar com mamãe e papai na mesa do capitão no salão de jantar Grand Nautilus. E, com certeza, o capitão irá querer tirar uma foto com você também, porque os funcionários lhe deram aquele camarote, mesmo que você tenha aberto mão dele.

— Penny. — Não consegui deixar de rir da sua expressão — Acho que posso jantar na mesa do capitão.

— Ufa. Eu não sabia. Sei o quanto você detesta que tirem fotos suas, mesmo que eu não entenda isso, porque é o seu trabalho, e Louis, se eu fosse linda como você, na sua versão feminina, eu ia adorar. Eu tentaria deixar louco de desejo cada homem gato que eu visse.

— Obrigada, eu acho. — Ainda bem que o sombrio misterioso estava longe demais para ouvir aquela conversa... Na realidade, ele tinha entrado na suíte dele. As nuvens de tempestade pareciam prontas a explodir, e começara a chuviscar. — Mas cuidado com o que deseja. Deixar todos os homens gatos loucos de desejo não é tão divertido como parece. É meio horrível que gostem de você só pela sua aparência.

Monster ➳ l.sWhere stories live. Discover now