Idas e vindas das teias

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Tiramos juntos nossos sapatos na entrada do apartamento de Miguel. 

O cheiro de comida bem temperada invade nossas narinas fazendo com que o garoto me encare esticando um sorrisinho e as sobrancelhas saltadas. 

— Tá sentindo? — suas narinas testam o sabor do ar. — Enchiladas! Provavelmente de frango. Meu favorito! — ele rapidamente fica de meias e corre para dentro.

Ah ótimo, agora vou ter que aparecer sozinho na frente da mãe de Miguel, sem um corpo para esconder minha timidez.

Que jantar incrível esse vai ser.

O garoto volta no instante em que eu surgiria na porta da sala, com um pedaço num garfo e aproximando da minha boca. Minha testa franze em dúvida, mas acabo cedendo ao provar a enchilada.

É absurdamente boa, apesar de estar muito quente. Consigo sentir o tempero e o frango casando bem no enroladinho.

— Hum... — termino de mastigar. — Isso tá muito bom, mas você podia esperar eu chegar na mesa!

— Elas são MUITO melhores quando tão quentes.

— ¡MIGUEL! — acredito que seja a voz de sua mãe. — Arrancaste un trozo de la enchilada, ¿no?

Tem certa energia em ouvir um espanhol tradicional e bem conduzido, como uma inspiração para fazer algo. Por a mão na massa. Tomar uma atitude. Pelo menos é o que sinto e o porquê de eu adorar essa língua.

— Fomos pegos! — ele sussurra.

— Fomos? A ideia foi sua!

— E você adorou! — Miguel me dá um beijinho, nem se importa se minha boca está suja.

E sim, eu realmente adorei.

Entramos na sala e o garoto joga a mochila em uma cadeira. Gentilmente, deixo minha mochila no mesmo lugar, enquanto ele abre os braços para saudar a própria mãe.

— Hola mamá, acabo de llegar!

— Não adianta vir com essa cara lavada! Eu sei que foi você! Tem um pedaço enorme faltando aqui. — ela está colocando os pratos na mesa enquanto fuzila Miguel com os olhos.

Como descrever a mãe de Miguel? Simples, imagine um grande morango falante. Também é fofo e ao mesmo tempo intrigante seu sotaque espanhol sendo que seu filho não tem nenhum.

Dou um passo para o lado e saio de trás de Miguel me exibindo por inteiro, acompanhado de um aceno.

— Boa noite, senhora Sosa! — não sei como não gaguejei.

Ela finalmente me enxerga e muda completamente a postura exibindo o mesmo sorriso alegre que o filho costuma mostrar.

O último prato é colocado na mesa enquanto ela vem ao meu encontro.

— Dona Conchata Sosa! — Miguel a impede de falar qualquer coisa enquanto faz uma reverência.

Seu semblante alegre se estilhaça quando repara o próprio filho no caminho até nós e se remenda ao olhar para mim novamente.

— Boa noite! Você é o...

— Aaron! — nós três completamos em coro. 

— É um prazer te conhecer mocinho! — a senhora Sosa aperta minha bochecha analisando meu rosto.

Claramente ela esqueceu ou não sabia meu nome e esperou que eu dissesse para dizer ao mesmo tempo. O que não me incomoda nem um pouco e inclusive me rouba uma risadinha.

Nos sentamos na mesa e Miguel se acomoda ao meu lado. Não. Miguel arrasta a cadeira para ficar mais perto ainda de mim e cola seu ombro com o meu, sorrindo feito um idiota ao encarar o prato de enchilada.

Entre Fios e TeiasWhere stories live. Discover now