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Ele bate nela

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Ele bate nela. O filho da puta bate nela.

Bastam trinta minutos na companhia de Cindy para chegar a essa conclusão. Para entender os sinais. Vejo na forma como ela se esquiva quando ele a toca. Bem de leve e provavelmente imperceptível para os outros, mas é o mesmo jeito com que minha mãe reagia quando ele se aproximava dela. Quase como se estivesse antecipando o próximo golpe do seu punho, da palma da mão ou da merda da bota.

Mas esse não é o único sinal de alerta que Cindy está exibindo. O negócio rendado de manga comprida em cima do vestido vermelho torna óbvio - já fiquei com garotas de fraternidade demais para saber que não se combina sapato branco com casaco preto. E tem também o brilho de medo que se acende nos olhos dela toda vez que meu pai ameaça se mexer na cadeira.

O jeito triste com que seus ombros desabaram quando ele disse que o molho estava aguado. A penca de elogios que lança na direção dele, porque obviamente quer deixá-lo feliz. Não, deixá-lo calmo.

No meio do jantar, minha gravata está praticamente me enforcando, e tenho certeza de que não vou ser mais capaz de controlar a raiva.

Não acho que vou conseguir chegar ao final da sobremesa sem atacar o velho e perguntar como tem coragem de fazer isso com outra mulher. Cindy e Any estão falando sobre alguma coisa. Não tenho ideia do que é.

Meus dedos apertam o garfo com tanta força que fico surpreso de não quebrá-lo ao meio. Ele tentou falar comigo sobre hóquei mais cedo, quando Any e Cindy estavam na cozinha.

Tentei responder. Sei que fui capaz de elaborar frases propriamente ditas, com sujeito, predicado e a porra toda. Mas, desde que Any e eu entramos nesta maldita casa, minha cabeça está longe.

Cada cômodo guarda uma memória que me faz a bile subir à garganta. A cozinha foi onde quebrou meu nariz pela primeira vez. A pior parte era lá cima, no meu quarto, onde nem ouso entrar hoje, porque tenho medo de que as paredes se fechem sobre mim.

Na sala de estar ele me espremeu contra a parede uma vez, quando meu time do oitavo ano não chegou às finais. Mas notei que ele cobriu o buraco no gesso com um quadro.

"Então é isso" , Any está dizendo. "Agora vou apresentar um solo, que é o que deveria ter feito desde o início." Cindy faz um barulho para expressar sua empatia.

"Esse menino parece um pirralho mimado."

"Cynthia" , diz meu pai, bruscamente. "Modos." E lá está de novo - o estremecimento assustado. Um fraco

"Sinto muito" é o que deveria seguir a reprimenda, mas, para a minha surpresa, ela não pede desculpas. "Você não acha, Ron? Imagine se estivesse jogando com o Rangers e o seu goleiro deixasse você na mão às vésperas do primeiro jogo da Copa Stanley?" Meu pai tensiona a mandíbula.

"As duas situações são incomparáveis." Cindy logo volta atrás.

"É, acho que são." Enfio uma garfada de purê de batata e recheio de peru na boca. O olhar frio de meu pai recai sobre Any.

O ACORDO | BEAUANYWhere stories live. Discover now