Trentuno

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— Por que gosta tanto de lírios? Ainda não me contou. -Perguntei curioso, afagando os cabelos macios e cheirosos da Cha-young. Seu corpo pequeno está embrulhado pelo meu e ela está admirando um dos lírios do buquê que a dei ontem.
— Meu pai dizia que eu era como um lírio. -Ela levou a flor perto do nariz e inalou suavemente. — "Pura e cheia de ternura". Desde então eu adoro essas flores, ele me chamava de "Pequeno Lírio", mas só ás vezes, em momentos mais especiais. -Explicou, e eu senti o impasse entre admiração e dor no tom da sua voz. A abracei mais forte. Eu gostaria de livrar ela de tudo que a machuque.
— Então ele era um homen sábio. Você é exatamente como um lírio. -A escutei fungar. É claro que ela está chorando. Respirei fundo e beijei sua cabeça.
— Eu me sinto muito feliz. Perder meu pai foi a pior coisa que poderia me acontecer. Eu fiquei sem chão, perdida, atordoada... eu achei que iria morrer. -Cha-young murmurou e eu senti calafrios com o pensamento. — Eu realmente achei isso. Não consigo descrever muito bem o desespero que me engoliu como um buraco negro. Mas você, Fabio e Antonella foram a melhor coisa que poderia me acontecer.
— Você que foi a melhor coisa nisso tudo, Cha-young. -Afirmei convicto. — Fabio e Antonella sempre foram atenciosos e colocaram a família em primeiro lugar. Mas você já deve ter percebido que mesmo com todo o amor que eles deram a mim e ao Paolo, infelizmente não conseguimos retribuir da forma correta.
    — Eu sei que você tentou... -Ela me consolou, sorri fraco.
    — Não, só agora eu vejo que nunca dei cem porcento de mim nem mesmo para os meus pais. Algo me impedia de doar o que eu realmente sou para as pessoas.
    — Você passou por muitas coisas, Vincenzo.
    — Eu esqueci que eu tinha pessoas que me amavam ao meu redor, eu esqueci que eu poderia encontrar alguém para amar. -Sussurrei, as coisas começando a se encaixar para mim. — Eu estive cego por muito tempo. Só agora eu vejo quanto tempo e quantas coisas eu perdi no decorrer da minha vida amarga. O que eu quero dizer com isso, é que você restaurou a família Cassano. Você foi como a peça que nos faltava para reviver o nosso espírito de vitalidade. Você fez a minha vida tornar a ter sentido. -A escutei soluçar baixinho. Fechei meus olhos e sorri sem mostrar os dentes, sentindo lágrimas traiçoeiras escaparem. Eu realmente não me lembro a última vez que chorei antes de conhecer Cha-young.
    — Você me deixa muito emotiva falando essas coisas. É surreal pensar que realmente fui responsável por isso que você disse. Eu não posso acreditar que seja verdade. -Me ajeitei na cama, de forma que pudesse ver seu rosto.
Apoiei o cotovelo na cama e a cabeça na minha mão.
    — É bom começar a ter noção. Você mudou a minha vida. E sabe disso. -Seus olhos brilhantes me hipnotizaram e eu a admirei. Parece até mentira, Cha-young é tão perfeita que parece uma alucinação da minha cabeça.

    Fiz o café da manhã enquanto deixei Cha-young tomar o seu banho perfumado que eu mesmo preparei. Ela merece ser cuidada em dobro depois do que a fiz passar.
    Coloquei o omelete nos dois pratos e peguei as torradas, levando para a mesa. Peguei a geleia e o café e então me sentei no meu lugar, mexendo no celular enquanto espero Cha-young.
    Ela apareceu depois de um curto tempo, linda como sempre.
Analisou a mesa e arregalou os olhos, batendo palminhas de admiração.
    — Você poderia facilmente ser um chef. -Elogiou impressionada.
    — Cha-young, minha dama, é apenas omelete. -Brinquei e ela revirou os olhos.
    — Mas está lindo da mesma forma. Sem contar as outras vezes que você cozinhou para mim.
    — E as várias vezes que ainda vou cozinhar apenas para você. -Olhei para o seu rosto com um sorriso brilhante e ri fraco. Eu descobri o que estive procurando por tanto tempo. Era ela.

   Coloquei as mãos dentro do bolso e suspirei pesadamente, encarando o sujeito deitado na cama do hospital. Cha-young fez um estrago. Ele teve até que receber transfusão de sangue.
    Eu nunca odiei de fato Paolo. Pelo contrário, durante um tempo eu almejei muito conseguir sua irmandade. Assim que fui adotado, o que eu mais queria era receber o amor de irmão vindo da sua parte. Perdido em outro país, com pessoas novas e um lar novo, eu só queria o conforto de estar perto de outra criança.
    Fui tolo. Paolo, com sua forma tosca de pensar, sempre se sentiu ameaçado. Mesmo que não houvesse motivo nenhum para isso. Foi assim que ele começou a me destratar. Até eu ter idade suficiente para retrucar tudo o que ele fazia comigo. Até que eu me tornei tão frio em relação à ele, que Paolo não conseguia mais me machucar.
    Mas eu nunca consegui o odiar. E eu não sei ao certo o motivo. Não sei se eu me sentia no dever de ter algum tipo de empatia apenas por consideração à Fabio e Antonella, ou se era porque no fundo eu nutria algum tipo de irmandade por ele. Mesmo que involuntariamente. Afinal, foi assim que a família Cassano me criou. Ensinando-me a amar a família.
    Olhando para ele agora, o ódio que nunca senti antes começa a crescer no meu peito. Nunca vou perdoá-lo pelo que fez com Cha-young. E só foi com ela porque ele não conseguiu me achar antes.
    — Você não sente nenhum pouco de remorso? -Perguntei inexpressivo, já posso prever sua resposta. Mas eu quis apenas ter certeza.
    — Por que eu teria? -Respondeu com outra pergunta, a voz fraca e rouca.
    — Porque você deveria ser meu irmão. Mas tentou me matar, e por não me achar, tentou fazer isso com a minha mulher. Não sente vergonha por ser tão baixo e sujo assim? -Exasperei.
    — Não. Você tomou tudo que deveria ser meu, Vincenzo. Tudo! -O vi vacilar. Pisquei algumas vezes, balançando a cabeça em negação.
    — Pode parar de enxergar tudo de forma tão egocêntrica? Nossos pais fizeram de tudo para que nenhum de nós se sentisse de fora. E eles fizeram isso muito bem. Quando éramos crianças, compravam os mesmos brinquedos, as mesmas roupas e até mesmo as mesmas meias! Quando crescemos, papai nos introduziu nos negócios simultaneamente. Estudamos nas mesmas escolas, fomos para a mesma faculdade! Mamãe nos chamava da mesma forma, preparava as lancheiras igualmente, cantava as mesmas músicas e contava as mesmas histórias para ambos. Por que você continua insistindo que eu tirei algo de você? Não é mais fácil você simplesmente admitir que nunca me aceitou? -Esbravejei. Cansado de apenas escutar todas as bobagens dele.
Paolo me encarou por alguns segundos.
    — E eu nunca vou aceitar. -Sussurrou por fim.
    — Tudo bem por mim. Eu já me acostumei com isso há muito tempo. Você não percebeu? Eu aceitei esse fato naquele dia em que os seus amigos te deram uma surra na escola, e eu com apenas doze anos dei um jeito de devolver, bati em três moleques maiores que eu. Mas quando chegamos em casa, você disse para a mãe e para o pai que eu havia me juntado com meus amigos e tínhamos batido em você. -O lembrei, e pela primeira vez eu vi algum resquício de constrangimento aparecer em seu rosto cínico. Ninguém consegue reagir indiferente à uma traição. — Então... eu não estou ressentido. Mais uma vez, eu vou deixar passar. Apenas por Fabio e Antonella. Mas se você tornar a mexer com Cha-young e a minha família...
    — Que também é a minha família! -Ele me interrompeu. — Eu jamais machucaria eles.
    — Mesmo sabendo que Fabio e Antonella me amam, e amam a Cha-young também, você tentou nos machucar. Eu não duvido de nada que venha de você. Como eu estava falando, não se aproxime mais da minha mulher, e não dirija a palavra de forma errada para a família Cassano, ou dessa vez, eu juro que vou acabar com você. Essa rixa doentia e infantil que você criou, se encerra aqui. Pro seu bem.
    — Não ouse mais me chamar de irmão. -Ele murmurou quando eu me virei para sair.
    — Não é como se eu fizesse questão.

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Amore, Guerra e Gigli - Chaenzo (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora