A quarta vez - Capítulo um

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Às vezes o vento ainda sopra seu nome em meu ouvido. Desde a primeira vez que ouvi sabia que não esqueceria. Diferente e forte, assim era Benhur.

Olhos incrivelmente azuis com cílios escuros e volumosos; cabelo na altura das orelhas, bem escuro e revolto; o rosto cheio de sardas; a voz rouca, daquela que chega a falhar. O que mais me lembro é que sorria com o rosto inteiro e cheirava sempre a halls preto.

Estudamos a vida inteira juntos. Depois da formatura, quando saí da cidade para fazer a faculdade e nunca mais voltei, acabamos por nos distanciar. Também pudera, já fazem 15 anos desde a última vez que o vi.

Mas de tempos em tempos sempre me vem a lembrança dele, principalmente do jeito que ele inclinava a cabeça para trás quando gargalhava com as mãos na barriga, como se fosse um desenho animado.

Foi meu melhor amigo por tanto tempo. E agora me sinto terrivelmente envergonhada por não tê-lo reconhecido de imediato. Me destruiu quando seu sorriso esvaziou assim que notou que eu não tinha certeza de quem ele era.

— Tu deixou a barba crescer — digo, como uma maneira de justificar a hesitação que tive antes de confirmar sua identidade.

Mas não é como se ele estivesse tão diferente assim, ele ainda é o mesmo Benhur de sempre, talvez até mais bonito.

O problema é que ao longo dos últimos anos meu cérebro se esforçou muito para apagar todos os homens da minha memória, aparentemente nem Benhur passou ileso.

— E tu cortou o cabelo — ele retruca, ácido.

Sutil feito um rinoceronte, não é difícil me lembrar disso.

— Mas eu continuo bonita, já tu... — tento brincar.

— Tu finalmente tá admitindo que eu era bonito lá atrás, então? — ele devolve.

Minhas bochechas queimam, reviro os olhos e mesmo sem jeito faço o único gesto que parece ter sentido, dado o nosso histórico: abro os braços. Ele me abraça com carinho e me sinto com 16 anos outra vez. Quando nossa amizade foi a coisa que me manteve viva.

Seu cheiro mudou. Desodorante e cigarros.

— Ainda tá fumando? — pergunto. Me afasto com uma cara franzida para ele saber que ainda reprovo o ato.

Antes era esporádico, mas suspeito que tenha virado recorrente.

Ele ainda me encara por alguns segundos em silêncio, as sobrancelhas cobertas pelo cabelo ondulado. Sua expressão é indecifrável, um quase sorriso de Monalisa no rosto endurecido pelo tempo.

— Sim, tô fumando. Não tinha mais ninguém pra me encher o saco, sabe?

— Como se eu fosse a única que reclamava — digo.

Finalmente me solto de seus braços e olho em direção à fila onde nos esbarramos. Sugiro com um gesto que ele vá na minha frente, mas ele aponta com o queixo para que eu vá primeiro e eu vou.

— A mãe morreu. Tem uns dois anos — ele responde.

Viro atordoada. Sei que não mentiria sobre isso, mas tenho um pouco de esperança que quando encontrar seus olhos eles estarão apertados naquele sorriso sapeca.

Mas não estão.

Benhur me encara sério, quase com pena.

Me sinto ainda pior.

— Desculpa, eu não sabia — respondo, sentindo a garganta fechar e os olhos arderem.

Quero muito perguntar porque ele não me ligou ou mandou uma mensagem avisando, mas por que avisaria se perdemos o contato?

Me sinto cada vez pior pensando em tia Marta. Porque eu não deveria ter me afastado dela também. Eu prometi que mandaria notícias e fotos. Ela era incrível, mesmo que tenha passado boa parte da minha amizade com Benhur tentando nos dizer que um dia iríamos nos casar. O que era irritante para dois adolescentes que milagrosamente, no auge de todos os hormônios, eram só amigos. Mas acho que era exatamente o tipo de coisas que mães que amam os filhos fazem.

E ela amava Benhur.

Também me amava.

Em cada bolinho de chuva que fritou com a desculpa de abrir a porta do quarto esperando nos flagrar, ela nos amou.

— Eu sinto tanto — choramingo.

— Eu sei que sente. — Ele passa os braços ao redor do meu ombro e me empurra sutilmente para a fila que andou sem eu perceber.

Como pude esquecer Benhur?

Num dia éramos inseparáveis, no outro trocávamos só mensagens e no seguinte ele era só uma lembrança eventual em minha mente perturbada.

Mas não é como se fosse fazer diferença, certo? Em algum ponto as coisas iam acabar. A cicatriz em meu rosto não me deixa esquecer que minhas amizades não duram muito tempo.

Nunca puderam durar.

Balanço a cabeça tentando me livrar das lembranças que vêm sem solicitação e me concentro no aqui e no agora. Onde estou, supostamente, segura.

Agora foram quatroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora