Capítulo dois

114 12 11
                                    

Ainda me lembro da primeira vez que a vi

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Ainda me lembro da primeira vez que a vi. Sempre me lembro, mesmo que já tenham se passado 26 anos.

Tínhamos 6 anos na época, ela entrou na minha sala de aula, o cabelo era exatamente como está agora, loiro com ondas leves, cortado reto pouco abaixo do queixo. A boca estava encrespada de vergonha.

A professora me mandou pular uma cadeira para trás e deixar a aluna nova sentar na minha frente. Quando ela se aproximou, vi seus olhos cintilantes em minha direção, um verde e outro castanho. Pareciam mágicos pra caralho.

Mesmo naquela idade ela já agia preocupada, como se estivesse incomodando alguém. Descobri somente anos depois que aquele comportamento vinha de traumas.

Eu vivia a metendo em confusão e se soubesse que quando ela tentava me dizer que "seus pais eram rígidos" ela estava, na verdade, falando que eles costumavam bater nela rotineiramente, eu teria feito uma coisa ou outra diferente.

Afinal de contas, eu sempre soube o peso que a palma de um pai tem quando acerta a carne de um filho.

Minhas surras cheiravam a álcool.

Mas não posso dizer que não devo nada a meu genitor, afinal de contas foi graças a ele que aprendi a bater. E foi sabendo lutar que nos livrei daquele inferno. Eu e minha mãe. E foi como eu soube que precisava salvar Nina também.

Passamos a maior parte do tempo em minha casa, onde minha mãe, secretamente, sabia os segredos da loira franzina que me acompanhava e a tratava como uma filha merece ser tratada. Cuidando das feridas emocionais de Nina da mesma maneira que cuidou das minhas quando finalmente fugimos do filho da puta com quem tenho o desprazer de dividir meus genes.

Nina me olha, ainda abalada pela notícia que dei sobre a morte da minha mãe e a visão de seus olhos me destrói. Eles não brilham mais como antes, parecem mais escuros e o castanho agora carrega uma cicatriz que corta desde a sobrancelha até a maçã do rosto. Quero saber o que aconteceu, mas tenho medo de perguntar e mais medo ainda de descobrir.

Nessa hora lamento imensamente não ter mais intimidade com ela.

Nunca culparia Nina por nosso afastamento. Eu me preparei muito para isso durante nosso ensino médio, foi ela quem se iludiu achando que iríamos vencer a distância. Mas, no fundo, ambos sabíamos que ela se manteria o mais longe possível dos pais e eu teria pouca disponibilidade para visitá-la assumindo o mercadinho da minha mãe.

Foi inevitável.

Ambos fomos engolidos pela vida adulta. As coisas simplesmente aconteceram. Quando dei por mim já havia anos que não falava mais com minha melhor amiga.

Vê-la agora me faz lembrar porque meu coração bateu tão forte um dia. Nina é doce e meiga, busca sempre agradar, e embora esse seja seu traço mais puro, é também sua falha mais grave.

Enquanto a violência me moldou à sua imagem e perfeição, a violência que Nina sofreu a tornou submissa. E foi assim que eu assisti, vez após vez, ela se envolver com homens que não mereciam um quinto do que ela tinha a oferecer.

Agora foram quatroWhere stories live. Discover now