2

6.1K 795 293
                                    

×100 comentários.
Carmem;

Esfreguei minhas mãos no rosto, tentando me manter o mais calma possível. Abaixei elas puxando o cobertor e me levantando da cama, caminhei descalça e com raiva pelo espaço do lado da cama até a porta. Segurei no trinco e puxei abrindo ela com força, sentindo o vento gelado entrar no quarto. As luzes acesas pelo corredor a fora iluminaram o quarto.

Carmem: Saí. - Mandei e vi ele se mexer, dando alguns passos no escuro com as mãos no bolsos e parar há alguns metros de distância.

A luz vindo de fora do quarto iluminou um pouco a ele, olhei para a roupa e boa parte do corpo completamente cheios de sangue. Engoli minha saliva um pouco nervosa mas ainda assim insiste para ele sair, principalmente porque o cheiro horrível do sangue começou a me enjoar.. Desde o que aconteceu com o Thor e por eu ter ficado com ele até o último sangue, o que fez eu me sujar com o sangue dele.. eu simplesmente não suporto o cheiro de sangue.

Pedaço: Por que? - Perguntou em um tom de voz cansado, dando outro passo e eu pude ver o rosto dele. Semblante abatido, triste e confuso..

Carmem: Você me abandonou quando eu mais precisei.. por causa da merda de um complexo! Agora já fazem quatro dias que o seu filho nasceu, quatro dias porra, e tu não teve a capacidade de pensar nele e acabar com aquilo. - Soltei o trinco da porta e me encostei nela, olhando para ele. - Me prometeu que ia estar lá e nem sequer teve a coragem de me dizer que não iria, mandou um soldado e a merda de um cordão.

Pedaço: Tenho minha responsabilidade com a Penha, tu sabe disso. - Respondeu e eu ri balançando minha cabeça.

Carmem: Não, você tem uma responsabilidade com o seu filho! Tu é o pai dele e ele devia ser a sua prioridade! - Apontei em direção a cama, onde o Jorge dorme e ele virou a cabeça levemente para olhar. - Nós precisávamos de você naquela momento.. mas não precisamos mais. Então vai embora, volta pra Penha e pra sua vidinha de merda.. Esquecer a gente não vai ser difícil.

Ele ficou parado na minha frente, olhando de longe para o nosso filho dormindo. É inacreditável ele aparecer assim e não ter uma explicação, ainda ter a coragem de me perguntar o porque eu quero ele fora daqui.. Que ódio!

Pedaço: Não posso voltar pra lá. - Quebrou o silêncio e ouvi ele respirar fundo, virando a cabeça e me olhando abatido.

Carmem: O que? - Perguntei e pisquei em choque, me afastando da porta. - Tu perdeu a Penha. Caralho!

Passei a mão pela minha testa e subi até o meu cabelo, passando em meio aos fios, nervosa com a situação.. ele perdeu a Penha. Esse filho da puta, perdeu a Penha e tudo o que rolou foi em vão! O Thor, o meu tio, o nascimento do Jorge.. Quando foi que o Pedaço ficou assim? Do dia pra noite ele mudou comigo, fez a maior merda da vida dele e isso custou vidas, muitas vidas. Que merda!

Pedaço: Eu vou recuperar. O irmão do Brown não tem recursos, não tem experiência e não tem porra nenhuma pra manter a Penha. Vou recuperar o meu comando..

Carmem: Vai se foder! - Falei mais alto e ele franziu um pouco a testa, me aproximei dele já sentindo meus olhos arderem. - Você me abandonou em trabalho de parto, pra manter o seu comando na Penha.. Seu pai tá morto por causa disso! - Disparei as palavras olhando nos olhos dele, cara a cara, sentindo a respiração dele bater contra meu rosto. - O Thor.. Ele morreu me protegendo enquanto a gente esperava por você! Agora você tá aqui, me dizendo que essa merda toda foi em vão? Que eles morreram por nada?!

Pedaço: O Thor tá morto? - A confusão ficou explícita no rosto dele, sujo de respingos de sangue. - Caralho, ninguém me falou nada, pô.. Eu não sabia disso. Porra Carmem, isso tudo não foi minha culpa e tu..

Ergui minha mão e simplesmente dei um tapa no rosto dele. Ouvi o estalo e ele fechou os olhos passando a própria mão em cima da bochecha onde eu bati.

Carmem: Você devia ter recuado! É só culpa sua! - Bati no peito dele completamente puta, chorando pelo luto e pela dor dele. - O meu irmão morreu nos meus braços, sangrando e não podendo respirar, caralho! O seu pai tá morto.. - Empurrei ele com raiva. - Eles morreram por nada, porque você teimou e jurou que ia conseguir. Mas não conseguiu e eles morreram!

Pedaço: Eu ia recuar! - Segurou meu pulso me impedindo de bater nele, dizendo algo.. - E aí mataram o meu pai, porra.. Nunca que eu ia virar as costas e meter o pé, caralho, eles mataram o meu pai e eu não deixei isso quieto. Pô, eu fiquei lá até acabar com a família inteira do Brown e o único que eu não meti uma bala na testa, foi o irmão dele porque eu não achei ele. Mas eu vinguei meu pai.

Carmem: Se tivesse me escutado, nada disso teria acontecido. Nada! - Balancei minha cabeça e solucei tentado me soltar das mãos dele. - Tu me deixou sozinha.. foi a única coisa que eu pedi pra você não fazer. E você fez.

Pedaço: Então me perdoa, caralho! Eu vacilei mas eu tô aqui, pô, eu tô aqui agora.. Tô contigo. - Colocou a mão na lateral da minha cabeça, olhei nos olhos dele ouvindo a voz embargada e o brilho das lágrimas no rosto. - Me perdoa, Estrelinha, me perdoa.

Meu coração se despedaçou em ver ele chorando, implorando por perdão, exausto e perdido, confuso.. Observei ele largar meu braço e abaixar a cabeça, soluçando com o choro.

Carmem: Pedaço. - Chamei ele colocando a mão no pescoço dele. - Amor, olha aqui.. - Pedi querendo chorar por ver o quão desestabilizado ele está com tudo isso e me lembrando de quando eu estive do mesmo jeito. - Eu te perdôo, tá bom? Eu te perdôo..

Pedaço: Eu não queria que essas paradas tivessem acontecido, porra! Meu pai morreu na minha frente e eu não pude ajudar, caralho, não pude fazer nada! - Abracei ele fechando meus olhos enquanto as lágrimas corriam pelo meu rosto. - Te deixei sozinha, não pensei no Jorge e Deus me castigou.. Me perdoa.

Carmem: Eu sei, eu sei.. Tá tudo bem. -  Ele encostou a cabeça no meu ombro, chorando feito um bebê.. Mordi meu lábio apreensiva por ele. - Tá tudo bem..

Balancei bem de leve minha cabeça, o silêncio foi se instalando e a única coisa que eu posso ouvir é nós dois chorando feito duas crianças. Ambos com a mesma merda de sentimento, raiva, negação, culpa e luto, que alimentam uma dor que nenhum remédio pode curar.. uma dor impossível de ser parada e curada, uma dor que independente do tempo que passar ela sempre vai estar com a gente, porque o luto é eterno.

Eternos Amantes Onde as histórias ganham vida. Descobre agora