Capítulo 5 - Noite Silenciosa

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DEPOIS de toda aquela conversa de Guardiões, eu precisava esfriar a cabeça. Precisava colocar os pensamentos em ordem e aceitar minha provável e irrevogável nova realidade.

Eu sempre sonhei em viver uma vida diferente da que eu tinha. Já estava cansada de tudo. Da mesma rotina. Das mesmas pessoas. Das mesmas discussões... Mas, quando percebi que isso estava começando a mudar, um novo sentimento nasceu em mim. Um sentimento que eu sempre fiz de tudo para esconder. Medo. Eu odiava me sentir fraca, de sentir medo. Nunca deixei que o medo tomasse conta de mim, e sempre tentei mostrar que não ligava para isso. Eu queria ser forte. E era exatamente ao contrário que eu estava me sentindo. Eu estava com medo.

Mestre Goegel e Sra Judith nos deixaram a sós. O fogo da lareira tinha um brilho fraco e só agora, que já havia escurecido por completo, tornava-se mais visível. Deslizei do sofá e sentei no chão em frente à lareira abraçando meus joelhos junto ao peito. Chad me acompanhou. Ficamos ali, os dois, em silêncio, encarando as chamas e ouvindo o crepitar da lareira enquanto as lenhas eram lentamente consumidas pelos braços sinuosos do fogo. Ousei olhar para Chad, que continuava imóvel. Seu rosto bronzeado pelo sol refletia o fogo à medida que se tornava mais forte.

- Não é estranho? – perguntou Chad. Sua voz não passava de um sussurro – Sempre ouvimos histórias de grandes heróis, lendas. E agora, parece que estamos dentro delas. Tenho a sensação de que tudo o que vivi desmoronou. Não sei mais em que acreditar. – Ele parou por um tempo e soltou um suspiro - Até que ponto tudo o que eu ouvi é lenda ou realidade?

Chad mostrava indignação no olhar. Embora não soubesse o que responder, eu sabia exatamente o que ele estava querendo dizer. Eu também sentia isso. O que Mestre Goegel havia me contado fazia, de alguma forma, sentindo em minha mente. Eu sabia que já havia ouvido essa história em algum momento da minha vida, mas eu não conseguia me recordar. Passar a acreditar em algo que sempre soou como lenda não seria uma coisa fácil para mim.

Lembrei-me do que meu pai havia me falado, anos atrás, sobre lendas nos ensinarem lições, e sobre como um dia eu entenderia suas palavras. Mas não era verdade. Eu não entendia. Não entendia o motivo de meu pai ter me contado essas histórias de maneira tão súbita. Será que ele queria que eu soubesse, mas que, ao mesmo tempo, seria muito perigoso? Como ele sabia que tudo isso um dia aconteceria comigo? Ele nunca teve outra oportunidade de contar-me nada. Ele me deixou, e tudo o que eu fiz foi afastar-me de tudo o que ele queria que eu soubesse. Como eu queria tê-lo novamente, mesmo que apenas para poder responder minhas perguntas.

- Estou com medo – eu pensei alto. Logo que percebi que havia falado isso, me arrependi. Escondi o rosto entre as mãos e fiquei ali por um longo tempo.

Esperei uma resposta de Chad. Algo como uma piada, como ele sempre fazia desde pequeno. Mas nada veio. Espiei Chad pelo canto dos olhos e vi que ele me observava. Um sorriso nascia no canto de seus lábios e eu não pude conter um riso, meu rosto ardendo – por causa da lareira, é claro.

- Nunca imaginei ouvir você dizer isso. – Ele disse.

- Eu nunca me imaginei dizendo isso.

Chad sorriu, revelando sua covinha em uma única bochecha que eu nunca havia reparado. Ele voltou seu olhar para a lareira e seu sorrio se desfez lentamente. O silêncio pairou pelo ar por um longo instante. Ouvia-se apenas o som do vento balançando as árvores e de alguns animais noturnos. De onde estávamos, dava pra ver o céu e sua escuridão. As primeiras estrelas já estavam brilhando, revelando as mais belas constelações, e a luz da lua já era suficiente para iluminar o ambiente.

Assim eram as noites Moraiúna, e eu gostava disso. Uma das poucas coisas que me agradavam e que eu não gostaria de mudar. Eu teria de admitir que realmente amava o lugar em que morava. Não pelas flores em si. Não pelas coisas que se podia ver. Mas pelo que podia ouvir e sentir. Porém, o medo que sentia era de deixar aquele lugar. Não sabia o que aconteceria de amanhã em diante. Senti um aperto em meu peito e senti as lágrimas quererem voltar. Eu respirei fundo e as segurei. Eu precisava ser forte, principalmente agora.

 - Eu também estou com medo – disse Chad quase sem voz, gesticulando com as mãos. Seus dedos eram finos, mas fortes. – Não sei para onde vamos, nem o que vamos fazer, muito menos quanto tempo isso vai durar. Gostaria de, se possível, passar em Torphin. Ver minha mãe, minha irmã. Não sei quando vou poder vê-las novamente.

Eu estremeci.

Mãe.

Essa palavra nunca soou bem para mim. Parecia que toda a dor voltava ao ouvir a palavra "mãe". É claro que eu gostaria de sentir uma felicidade ao ouvir falar de minha mãe. Mas nos últimos tempos, isso parecia impossível. Ainda mais me lembrando de como ela havia me negado perante os guardas do rei. Ela claramente disse que não me conhecia. Era como se eu nem ao menos fosse sua filha. Essas lembranças só me causavam mais dor. Lembranças que mostravam que havia uma ferida que ainda não fora cicatrizada.

- Qual o problema? – indagou Chad.

- Nenhum. – menti, enrijecendo minhas costas.

Obviamente Chad notou meu desconforto. E obviamente ele não acreditou no que eu disse. Permaneci com o rosto voltado para frente. Não queria encará-lo. Pelo canto do olho, vi que Chad ainda estava olhando para mim, como se ainda esperasse uma resposta. Voltando-me para ele, pisquei meus olhos e me forcei encontrar os de Chad. Tive de me manter firme para não desviar daqueles olhos que pareciam ver através da minha faixada.

- Eu nunca entendi o que você tem contra sua mãe. – disse Chad, talvez na tentativa de tirar alguma palavra de mim.

- Você não entenderia – eu respondi friamente. Desviei olhar e encarei novamente as chamas. Que alívio.

- Eu poderia tentar.

- Não é necessário.

- Como não? Eu...

- Não seja implicante, Chad. – Eu disse interrompendo-o. Eu já não estava de bom humor, e ele não estava ajudando – Agora acho melhor eu ir dormir. –  eu disse levantando – Afinal, amanhã temos um longo dia pela frente, não é mesmo?

Eu senti o sarcasmo preencher cada pedaço da minha voz. Chad abusara de minha boa vontade. Existiam certos assuntos que não deveriam ser tocados. Este era um bom exemplo, ainda mais depois de tudo o que aconteceu nesse dia.

Fiz todo o caminho de volta, passando pelo jardim, até chegar ao salão com o grande lustre. Subi os degraus da escada cinzenta o mais rápido que pude. O lugar estava vazio, mas mesmo assim, não queria ser vista. Nem ver ninguém. Alcancei a porta do meu quarto e a fechei com um baque silencioso.

Deitei esticada em minha cama e passei a ouvir ao silêncio. De onde eu estava, conseguia ver o céu estrelado através da janela. Tentei acalmar meus pensamentos e descansar a mente. Tinha ouvido e visto muita coisa naquele dia, e agora nada seria melhor do que ouvir o que o silêncio tinha para dizer.

E assim continuei, em meu silêncio, admirando a imagem que a janela me permitia assistir, até cair no sono.

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