Capítulo 14 - Obrigada pela sinceridade

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- NÃO PODÍAMOS tê-los deixado partir! - Chad gritou com raiva.

Ferghus continuou em silêncio.

Foi assim que ele permaneceu - novamente - desde a noite anterior. O rosto cruel de Zigon não saia de minha memória. Para ajudar, tive uma noite turbulenta, onde Zigon me aterrorizava em meus pesadelos, que se repetiam durante a noite inteira. Tive dificuldade em distinguir sonho de realidade.

Era sempre a mesma coisa. De novo e de novo, durante a noite toda. Eu via Zigon em minha frente, da mesma forma como quando o havia confrontado. Seus olhos, porém, permaneciam fixos em um ponto qualquer, sem expressão. Apenas seus lábios secos se moviam. Ele repetia incessantemente as mesmas coisas que me dissera na noite anterior. Cada palavra sua aterrorizava-me ainda mais. O som cortante de sua voz doía-me os ouvidos no pesadelo.

Foi assim durante todo meu período de sono. Cada vez que fechava os olhos, eu ouvia a voz de Zigon.

Algo que ele havia falado rondava minha mente. Seu companheiro era um dos nossos há algum tempo atrás... Trocou de lado e abandonou seu próprio pai.

Pai.

Essa palavra, geralmente, doía quando a ouvia. Mas agora, sentia como se tivesse bebido ácido. Doía amargamente. Zigon havia falado de meu pai. Ou será que ele havia me confundido com alguém? Não era possível. Meu pai não era alguém que era fácil de ser confundido. Sua aparência exótica era algo que eu havia herdado. Ele provavelmente o conhecera. Mas como? Eu nem conseguia imaginar.

Você me lembra muito dele, Zigon dissera. Não pude evitar em sorri ao lembrar disso . Apesar de tudo, ouvir alguém dizer que eu me parecia com meu pai era motivo de alegria para mim. Lembrei-me de tanto tempo que passei imaginando em como meu pai realmente seria, tentando lembrar-me do timbre de sua voz, de sua força e garra. Eu o admirava pelo pouco que conhecia. Se me parecesse com ele em pequenos detalhes, já estaria satisfeita.

- Não podíamos! - Disse Chad novamente, fazendo-me acordar de meu devaneio.

Ferghus aprontava suas coisas após o desjejum.

- Não pude tirar a vida deles. - murmurou Ferghus por fim.

- Mas, por quê? Eram nossos inimigos! Sabe-se lá onde estão agora! Provavelmente relatando todas as informações possíveis ao nosso respeito. - Retrucou Chad.

Ferghus bufou.

- Ferghus, estamos muito mais vulneráveis agora!

- Eu era um deles - Ferghus cuspiu as palavras ao se levantar abruptamente.

Chad calou-se. Eu não consegui interpretar o olhar dele. Nunca o tinha visto daquela forma.

- Os Serviçais humanos de Dwengall são como escravos! Eles estão presos por correntes invisíveis que o subjugam a fazer aquilo que lhes é ordenado. Quando escolhem servir a Dwengall, pensam estar tomando uma decisão de fazer o que quiserem. São atraídos por falsas promessas. Mas caem em uma armadilha. Nem sempre fazer o que quiser significa ser livre.

- Isso não faz sentido. - Murmurou Chad, passando os dedos pelas têmporas.

- Não fazia sentido para mim, também. - Respondeu Ferghus, sentando-se novamente. Seu olhar estava tão distante. - Até que um dia eu descobri o que é liberdade. E luto por essa causa hoje. Antes, eu perseguia pessoas como vocês dois. Hoje, estou junto, sendo perseguido.

As palavras de Ferghus me atingiram. Eu gostaria de entender o que ele estava falando, mas não conseguia. Por que arriscar sua vida conosco? Se ele diz ter encontrado liberdade, por que não usar essa liberdade para viver em paz e fazer o que bem entender?

O Florescer do FogoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora