Capítulo XXII

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Eu não consegui fechar os olhos. Nem ele os dele. Depois de tê-lo ouvido confessar o quanto a morte do pai havia o abalado e criado cicatrizes que ele ainda carregava, pensei que talvez eu não estivesse tão sozinha nesse mundo com meus próprios traumas.

— Eu também perdi o meu pai. — disse, engolindo uma saliva. E você estava lá... quis completar. Eu entendia a dor dele, e a culpa. A minha era diferente.

— É a primeira vez que me fala sobre sua família.

— Não costumo falar sobre isso. — passei a ponta dos dedos sobre a superfície da água. — Não fui uma boa filha.

— Creio que o que diz não é verdade.

— Acredite, eu poderia ter sido melhor. — sorri sem humor.

— Todos nós sempre podemos ser uma versão melhor de nós mesmos. Não somos bons, mas isso não impede que alguém nos ame. — ele tocou em minha mão, fazendo com que eu parasse o movimento. — Eu tenho certeza que o seu pai a amava.

— Agora eu que não gostaria de continuar esse assunto. — senti uma pedra debaixo de meus pés na água e soltei minha mão da dele, me virando de costas. Consegui fechar os olhos.

— Quem foi o homem que a machucou? — ele me perguntou depois de minutos de silêncio, me pegando de surpresa com a mudança de assunto.

— Como sabe se já tive alguém?

— Não imagino como poderia ter ficado sozinha a vida inteira sendo como é.

— Imagino que uma pedra fique bem sozinha. — dei um meio sorriso e virei para olhá-lo.

— Ninguém é como você, Victória. — ele se aproximou novamente. — Você é honesta, justa, forte, corajosa, determinada, inteligente, linda, verdadeira...

Verdadeira.

Essa palavra fez com que eu me afastasse. Mergulhei sob a água e emergi do outro lado do lago. O lado seguro. O lado em que ele não estivesse tão perto para perceber em minha própria expressão que eu não era tão verdadeira assim. Eu havia mentido a minha identidade o tempo todo. Eu nem era Victória.

— O homem que me machucou ficou no passado. Pretendo deixar ele lá. — fitei a parede de pedras.

— O que ele fez? — ouvi a voz dele mais perto. Me virei.

— Não era quem eu pensava que fosse.

Novamente, a hipocrisia da minha fala. Eu também não era quem dizia que era. Como podia julgar Jeffrey por ter me enganado se estava fazendo exatamente o mesmo?

Christian andou até a minha direção, a passos lentos pela densidade do rio. O tom verde azulado que refletia da água às pedras se misturou ao vapor, tornando a imagem dele mais nítida conforme ele se aproximava. Ele não parecia se importar com o fato de que eu havia me afastado. Ele nunca se importou com isso, na verdade. Todas as vezes era sempre ele que se aproximava, e eu que fugia para não admitir que a beleza dele era de tirar o fôlego.

A luz da caverna iluminou seu corpo, como se ele fosse esculpido em cada parte. Seus olhos verdes se misturavam à cor da água, e a sua boca ficava cada vez mais rosada a cada sorriso que ele conseguia dar. Dessa vez, no entanto, ele não sorriu.

— Eu sinto muito pela sua dor. — ele disse perto, sem me tocar. O barulho da água sendo o único a ressoar além das nossas respirações.

— Ela não existe mais. Acho que devemos ir.

— Achei que não quisesse voltar a dormir.

— Acho que deve voltar aqui com uma moça de vosso interesse.

Irrefutável SentimentoOnde histórias criam vida. Descubra agora