Capítulo II

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— Um caminhão de mudanças. — Pensou Grace em voz alta.

A sensação de paz que havia sentido até poucos instantes se transformou em um arrepio na espinha, uma agonia que tomou todo seu corpo, sua boca secou e seu coração acelerou, ficou enjoada e automaticamente sentiu as pernas fracas, como está sob uma alta torre, de frente a uma grande plateia na hora de uma apresentação, isso tudo por causa de um único pensamento: "Mudança de novo não, de novo não."

Depois de alguns minutos na calçada, que pareceram horas, buscando clarear os pensamentos e recuperar os movimentos das pernas, ela atravessou a rua e entrou na recepção tentando se controlar para não surtar ali, então percebeu que as coisas estavam sendo descarregadas. Muitas caixas, muitos embrulhos de vários tamanhos eram carregados para dentro do prédio, alguns usavam o elevador de serviço e outros se acabavam nas escadas. Em vista disso, conseguiu sentir um certo alivio por essa observação, colocou a mão no peito e respirou fundo.

Se aproximou do porteiro do outro lado do balcão e este a olhou de soslaio. Ele repousou o jornal na bancada e voltou sua atenção para além da garota, para dois rapazes que tentavam colocar o que parecia ser um quadro (a julgar pelo pacote), no elevador, discutiam sobre um jeito mais fácil de fazê-lo atravessar a porta sem danificar o objeto. Grace também os observava com um certo deboche, depois que conseguiram passar o invólucro pela porta, ela se virou para o senhor a sua frente que a encarou contra gosto, com um semblante ranzinza.

— Olá! Boa noite Sr. ... Sr. ... — Disse ao porteiro e ele ergueu uma das sobrancelhas.

Ela nunca lembrava o nome dele, assim como não ia muito com sua cara, também não era muito boa em gravar nomes, principalmente aqueles difíceis. Ele era um homem baixinho e com a aparência desgastada, possuía uma coroa com poucos cabelos na cabeça, no meio parecia um frade e não falava com ela, ou com quase ninguém, apenas acenava, a impressão que passava era de que estava sempre de mal humor, desgostoso da vida.

— Inquilino novo?

Ele respondeu com um aceno.

— Ah! Tá bom então. Até mais Sr. — Disse Grace revirando os olhos em crítica pelo comportamento do idoso.

O velho a acompanhou com um olhar estranho, depois voltou-se para o jornal que pela capa parecia ser do dia anterior.

Ao abrir a porta, foi recebida por um aroma forte de lavanda, a Sra. Marta não se encontrava em seu campo de visão. As luzis da sala e cozinha estavam apagadas, só o lustre da sala de jantar, frente as janelas, se encontrava ligado. Ela foi até a sala, deixou a bolsa em cima de uma das poltronas e ascendeu uma luminária, depois caminhou até a janela observando a calçada que se mergulhava no breu, a noite havia chegado. Se aproximou mais do vidro, podia ver seu reflexo, tão pálida e sem vida, parecia tão perto e tão longe ao mesmo tempo, uma figura espectral, um vento gelado a envolveu com seus dedos finos e frios de morte, de repente era como se o vidro não existisse mais, e estivesse mais perto ainda do precipício, seduzindo-a, o vento gélido invadiu o cômodo e naquele momento teve a impressão de ouvir uma voz sussurrar: 'Liberte-se', a ventania a empurrou e ela se viu indo de encontro ao abismo sombrio. Grace deu um grito abafado se afastando abruptamente da janela levando uma mão ao peito e outra à cabeça. Quando se virou viu a Sra. Marta descendo com um balde e uma vassoura nas mãos.

— Usou toda a minha colônia na casa? — perguntou Grace indo até o aquário, tentando parecer normal, controlando a respiração ofegante e a voz tremula.

— Oi Grace! — Saldou a Sra. Marta se dirigindo para a cozinha — Então... eu fui numa lojinha que tem ali, quase no final do quarteirão, agora não lembro o nome, então... achei um produtinho para o chão maravilhoso, e tem cheiro de lavanda, multe utilidades.

A Última CenaWhere stories live. Discover now