Capítulo IV

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Pequeninas e gélidas gotas de chuva caiam em forma de garoa, delicadas e serenas despencavam com o vento que se fazia constante, produzindo um frio glacial, era como milhões e milhões de cacos de vidros pontiagudos perfurando a carne viva. Tremia como um motor tentando se aquecer durante uma nevasca implacável, pálida como um corpo sem vida repousando no tempo. Um barulho envolvido pela ventania se aproximava indistinguível, latente.

— Grace...?! Grace...?!

Um chamado quimérico ao vento se sobressaía, mais alto que um tambor ressoando em um vale desértico, ecos entre despenhadeiros. Um clarão branco acinzentado tomou sua visão, seus olhos arderam em protesto ao brilho ofuscante, se arrependeu por tê-los aberto tão rápido, piscou várias vezes para recobrá-los. Outro som se produzia, um tilintar irritante de coisas trincando, eram seus dentes batendo uns nos outros. Levou a mão aos lábios percebendo que seus dedos tremiam palidamente.

— Grace?! Grace?!

A voz ressonava insistentemente mais alta. Se forçou a encarar o dono daquele chamado constante. Aos poucos sua visão foi se restaurando com uma certa dificuldade, vislumbrou então um semblante aflito e angustiado de um jeito estranho, a observava como se fosse uma criatura de outro mundo em algum tanque de exposição.

— Grace, você está bem? — A moça continuou chamando-a tocando em seu ombro esquerdo.

Levou a mão a cabeça notando uma dor esmagadora na lateral, passou os dedos sentindo seus cabelos úmidos assim como as roupas. O quintal não era coberto, com exceção do local onde ficavam um forno e uma churrasqueira, no lado esquerdo, no lado direito havia um pequeno jardim e em seguida o portão de acesso a rua, de madeira, um muro de tijolos vermelhos coberto por heras. Os sofás estavam forrados por lonas brancas, Grace se encontrava deitada em um deles. A moça de cabelos prateados e de olhar estranhamente inquietante falava alguma coisa, porém sua voz foi ofuscada por um zumbido agudo que preencheu seus ouvidos, a menina levou as mãos a cabeça se sentindo nauseada.

— O que aconteceu? — Perguntou de forma atordoada quase não ouvindo sua própria voz fria e distante.

— Eu que pergunto. Você está bem? — Emily falava de forma aflita e confusa.

A Evelyn e o Jack se encontravam na soleira encarando-a, um com desdém e o outro com curiosidade.

— Era só o que me faltava — disse ela entrando. — Ter um zumbir solto pela casa.

O Noah não entendendo a expressão de sua mãe, perguntou onde o morto-vivo se encontrava, se recurvou atrás da mesa ainda sentado olhando em volta.

— Como veio parar aqui fora? — Perguntou a moça alisando o ombro da jovem.

— Eu não sei. — Respondeu Grace pegando a toalha das mãos da Maria. — Obrigada.

— Desde quando é sonâmbula? — Perguntou o Jack, ainda de pijama e descalço, com muita cara de sono.

Ao comentário dele, ela lançou um olhar mortal em sua direção, ele fez uma careta entortando os lábios.

— Eu me levantei para tomar um pouco de água e... e fui pra cama, eu acho. — Disse a menina se voltando para a jovem ainda agachada ao seu lado.

Emily a ajudou a se levantar, contudo, quando apoiou o pé esquerdo no chão, foi estilhaçado por uma dor aguda e devastadora que irradiou pelo corpo como um choque. Gritou alto desabando no sofá. Seu tornozelo estava bem inchado e vermelho, latejava como se toda pressão sanguínea estivesse acumulada naquele local, em ponto de explodir. O Sr. Harris a ajudou, levando-a para o quarto. Tomou um analgésico e colocou uma compressa gelada na contusão, depois a Maria levou seu café da manhã, ovos, bacon, uma torrada e suco de maçã, mas é claro, ela recusou o suco, ou era o café puro ou o leite fermentado, geralmente pela manhã, o café para colocar a alma no corpo.

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