O Despertar

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Após a escuridão, que eu tinha certeza que seria eterna, sumir dando lugar à luz do mundo novamente, um mundo que eu com certeza jamais queria voltar a viver — mas voltei — , senti toda a dor de novo e de novo, o torpor veio com força, a garganta doía mais do que todo o resto do meu corpo, meu corpo que ardia como se brasa fervendo estivesse dentro dele.

Senti uma vontade de chorar, mas não saía lágrima alguma. Era só uma espécie de tristeza, de náusea, de dor talvez, ou uma mistura de umas com as outras, não existe nada pior do que essa sensação. Acho que sabe o que quero dizer. Todo mundo, volta e meia, passa por esse tipo de coisa, não o trauma, não a morte, mas a sensação de querer chorar e não sair nada porque simplesmente seu cérebro impede que as lágrimas desçam de alguma forma, ou é só você que está sendo mais forte do que imagina. Só que comigo é diferente, agora essa sensação não passa nunca.

Esperei pelo pulsar de meu coração, esperei pela respiração que antes era uma necessidade tão incômoda, esperei, esperei e nada veio. Que estranho era aquilo! Sem pulso, sem batimentos, sem precisar de fato respirar, o que diabos isso significava?

— Que você morreu! — uma voz irreconhecível disse em algum lugar, eu ainda não havia me atrevido a abrir os olhos, não queria. Será que eu estava pensando em voz alta?

— Então é esse o seu jeito mais sensível? — perguntou outra voz, provavelmente para quem havia dito a primeira frase. — Combinamos que não assustariamos a moça.

— Estou sendo maleável.

— Hmmm. Não sei se essa é a palavra certa. Idiota parece soar melhor.

E assim uma briga começou, não sabia quem era essa gente, não sabia se podia confiar em qualquer pessoa para me atrever a abrir os olhos, parecia muito melhor a ideia de fingir que estava desmaiada por um tempo.

Só então absorvi as palavras "Que você morreu!" do rapaz, aquilo não era possíve, eu nãol… Lembrei-me do anjo, o anjo negro.

Não, não podia ser real, foi só um sonho, um sonho ruim demais. Um pesadelo.

— Por quanto tempo ela vai ficar parada fingindo que não está nos escutando? — perguntou outra voz.

— Deixe a moça descansar, ela passou por muita coisa — era a voz de uma mulher, finalmente! Ouvi ela dizer "saiam daqui" baixinho como se não quisesse que eu escutasse.

Ouvi passos, acho que todos se foram, mas a mulher ainda estava aqui, eu podia sentir o seu perfume doce.

— Não se preocupe, querida, você está bem e salva agora. Não vou pressioná-la a fazer nada, fique com os olhos fechados por quanto tempo quiser, você realmente passou por muita coisa, pobrezinha. — Senti ela pegando em minha cabeça, levantou um pouco, sentou-se no que parecia muito ter a textura de uma cama, e pôs minha cabeça no colo dela, brincou com meus cabelos por um tempo e disse: — Seus cabelos negro são lindos como a noite.

Negro? Meu cabelo é ruivo! Vermelho como a aurora. Não era possível! O que fizeram comigo?

Levantei em um sobressalto, assustada, finalmente abri os olhos e infelizmente não reconhecia aquele lugar em nada, nem a mulher, que já era uma senhora de meia idade, tinha a pele castanha escura, usava um pano na cabeça que cobria todo o cabelo, usava um óculos escuro, usava brincos e um colar que eram grandes demais era baixinha e rechonchuda; eu com certeza não a conhecia. Eu sequer me reconheci. Um espelho redondo todo trabalhado em uma escultura estranha — duas sereias, uma em cada canto dele —, estava pendurado na parede de madeira.

Minhas pernas perderam a força e quase fui de encontro ao chão quando me olhei naquele espelho do diabo, meu cabelo estava escuro, escuro como a noite, minha garganta tinha uma cicatriz enorme e ridícula que ainda estava com pontos — contei vinte e cinco —, não me reconheci de jeito nenhum. O que fizeram comigo?

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