SEIS ANOS ATRÁS

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Nova York, Estados Unidos.
40°45'47.47" N, 73°59'40.23" W


Não era um sonho, um delírio. Não sabia quantas horas corria, em uma fuga impensada e desajeitada através dos becos e vielas da maior cidade das américas. Cansada, ferida e exausta, acreditava que se não fosse os treinos, seu corpo jamais suportaria a pressão. A cada passo, a panturrilha ardia; a cada curva, ofegava; a cada gota de suor em seus olhos, ela queria o chão.

Buscava um esconderijo, um pequeno antro ausente do mundo, um lugar onde estaria a salvo. Tomar banho e afundar em um macio colchão, longe de tudo e todos era algo tão utópico quanto pedir clemência aos homens que a perseguiam.

Ela não escolheu essa vida, ainda assim, era a única coisa que sabia.

Sem contar as lágrimas caindo sob seus olhos, pequenos fiordes que lavavam a alma e a dor de ver sua família inteira ser massacrada pela a escuridão do mundo em que vivia.

Um olhar por cima dos ombros nus transmitiu o que ela já sabia. Vultos, ocultos pela penumbra daquela noite sem estrelas, aproximavam-se perigosamente. Seus enormes sobretudos causando ecos assustadores à noite fria arrepiaram todos os pelos do corpo e a distraíram do que havia a sua frente.

Devagar, os passos, os ruídos leves no calçadão eram indícios fortes de que era um mísero inseto na teia macabra. Os assassinos da família Santoro envolveram-na em uma trama cruel sem escapatória. Tentou prender a respiração, esconder-se na penumbra e escuridão, ser mais uma na imensidão nova-iorquina...

Ah, se não fosse o rato...

Por mais que soubesse o que fazer, por mais que o ex-marido tivesse a treinado para situações daquelas, o medo arranhou todas suas entranhas. Das sombras, um homem surgiu após seu leve gritinho. Ele tinha um rosto inexpressivo e sem pelos faciais, um menino, um bebê de rosto redondo tendo uma pistola empunhada.

Era agir ou morrer.

A briga pela arma terminou com ela sendo arremessada para um canto. Não obstante, seu algoz lhe empurrou a parede e atacou sua garganta com os dedos alongados e fortes.

Ela não agarraria ou tentaria puxar os braços para baixo. Ele era maior, mais jovem e mais forte. Mas seus polegares? Esses eram fracos. Sabiamente, com destreza, os envolveu com a sua mão e os torceu sem piedade alguma. Uma vez que ele já não lhe estrangulava, ela seguiu com uma joelhada forte, bem na virilha.

Não teria piedade. Assim como não tiveram com sua família.

O choro e mugido do jovem de olhos esbugalhados não levou muito tempo. Usando o que aprendeu, o deixou desacordado naquele beco escuro e discreto. A poça de sangue formada atrás de sua cabeça parecia ser indicio claro do resultado daquele embate.

Sua primeira morte.

Até aquele momento, ela jamais se imaginara capaz. Jamais havia pensado que teria coragem suficiente para matar. Mas o fez. Era ele ou eu, pensou ao correr, deixando os sapatos para trás no chão pútrido e escorregadio e sentindo o coração ribombar, saltar pela boca.

Lhe incentivando, vibrando pela atitude tomada em prol da sobrevivência. Levou a mão ao peito e desferiu um sorriso, fugindo a esmo. Não sabia onde estava, nem vislumbrou sinalizações. O foco era correr e correr, fugir insanamente da teia criada pelos Santoro e os clãs responsáveis pela segunda maior máfia do planeta.

Se fosse mais jovem, talvez...

Saiu em uma rua estreita, um beco entre dois grandes prédios em tijolos. Ali, tentou recuperar o fôlego, largando o corpo contra a parede, respirando de forma entrecortante. A cena exigiu o que restava de suas forças; esgotada, sentou ali mesmo sentindo a umidade em sua bunda desnuda.

Talvez não devesse usar vestidos curtinhos sem proteção adequada. Mas quem diria que eles atacariam após um encontro noturno?

Ela trouxe os joelhos para perto e copiosamente deixou mais lágrimas caírem do rosto maduro e experiente. O que ela faria agora? Perante a escuridão cruel e massiva da humanidade, o que uma mísera mulher poderia fazer contra organizações capazes de mudar países inteiros?

Chorou copiosamente. A cabeça começava a latejar, mas no momento, ela estava a salvo.

Ou assim pensava.

O destino não quis ajudá-la, afinal o restante dos assassinos a encontraram e, sob os berros ordenantes para que ela parasse, correu para longe de suas garras.

Ela tinha feito uma escolha impensada. Em meio ao labirinto de caminhos enfrentados por ela, entre os gritos em italiano e a perseguição implacável, ela pensou onde errara. Seria em não aconselhar o marido a buscar a proteção do estado? Ou de não ter escapado antes dos inimigos quererem dar um fim a vida dela por associação?

Ou quando seu sobrinho faleceu devido ao mundo mafioso que vivia? Agora sua filha pagou o preço. Eden...

Normalmente nem precisaria parar, mas estava tão cansada... Tropegou, cambaleou e segurou na parede de tijolo para não cair, sentindo na pele sua aspereza. Ofegava demais, os lábios encontravam-se bem secos, crispados e maltratados. Sentia os braços frios, dormentes.

Estava ficando impossível continuar.

O mundo começou a girar, cada vez mais distante, longínquo. Queria parar, deitar e dormir para sempre. Até pensou em se entregar, mas isso iria contra toda a sua gênese, sua criação.

Era uma guerreira, lutadora, batalhadora e nunca desistiria.

Três homens, devidamente armados surgiram à sua esquerda, a entrada do beco de seu refúgio. Outro, a direita, carregava uma pasta próximo ao peito e havia acabado de jogar o café no lixo. Ele esfregou as mãos, assoprando-as.

Era também alto, esguio cujo caminhar levemente desengonçado a fez rir. Certamente aquele homem não estava acostumado a andar por aquelas bandas. Ela tensionou, mas do alto rapaz escutou um deboche em uma língua desconhecida quando ele deu uma topada.

Ela buscou qualquer vestígio de força no fundo da alma, em meio a todo o sofrimento e medo. Não tinha mais para onde ir, não lhe restava tempo. Correu que nem uma doida varrida em direção ao homem e envolveu seus braços em seu pescoço.

As joias azuis de seus olhos se arregalaram em uma intensidade profunda, linda e fria, tal como o tempo gélido.

Ela sorriu sedutoramente. Em um aceno sutil, as mãos dele deslizaram em sua cintura fina.

Um sussurro foi o suficiente.

— Me salve, por favor.

Foi a única coisa que pensou ao adormecer de vez nos braços atléticos e fortes de um desconhecido.

Instintos Criminais [Em Hiatus]Where stories live. Discover now