Estrada a Peripoara

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– Coisas estranhas acontecem nessa estrada – o velho disse por cima da mesa do bar, como quem conta histórias de terror à noite sob a parca luz de velas.

Adriano apenas perguntara se alguém conhecia a rodovia estadual para Peripoara. Tinha carga pra levar, não conhecia o caminho nem a cidade. Mas foi só mencionar a rodovia para os risos e as piadas cessarem na mesa de imediato. Quis saber o que havia de estranho por lá. O velho, enigmático, apenas emendou:

– É um lugar para se desperdiçar a vida.

Adriano insistiu, dirigindo-se aos outros na mesa. Poderia ir pela rodovia federal, mas teria de dar uma volta enorme, seria prejuízo na certa. Por isso, quis saber o que essa estadual tinha de mais. Ela é tão perigosa assim? Tem buracos escondidos? Má sinalização? Curvas traiçoeiras? Muito roubo de carga? Mas ninguém quis responder. Viraram-se pros lados, encheram copos, esvaziaram copos, como se não fosse com eles. Foi o velho quem encerrou o assunto, dizendo:

– Esteja avisado. Não vá a Peripoara pela estadual.

Mas Adriano não podia abrir mão de trabalho, quem podia? O frete era bom, e mesmo se não fosse, qualquer dinheiro seria bem-vindo. Tinha de pagar as prestações do caminhão e sua parte na sociedade com o velho. Este, não podendo mais dirigir sua jamanta, um jacaré laranja que fazia mais litros do que quilômetros, rendera-se à vista cansada e às mãos trêmulas, dizendo adeus à boleia. Decidiu aplicar suas economias dando entrada em dois caminhões novos, um para seu filho, outro para Adriano. Estes pagariam ao velho uma gorda fatia dos fretes, além de arcar com as parcelas a perder de vista do financiamento, peso que vinha atrelado aos veículos feito caçamba carregada até a boca com sucatas. Adriano tinha de trabalhar para o velho e para o banco, mas não se importava: era sócio, tinha seu próprio negócio! Mas para cumprir sua parte na sociedade tinha de gastar os pneus, não podia ficar parado. O velho lhe avisara, mas isso não tinha sobre ele efeito prático, pois o acordo era claro: podia transportar o que quisesse e por onde quisesse, desde que não fossem drogas nem mercadoria roubada. Sua única obrigação era pagar a parte pela sociedade.

Assim, decidiu encarar a dita cuja da estrada. "Estrada nova se atravessa durante o dia", pensou precavido. Por isso acordou cedo, juntou a carga, suas tralhas também, sintonizou o rádio na sua estação preferida e partiu. O céu estava bonito, não fazia calor nem frio e o trânsito fluía. Ou seja, suave na nave.

Porém, quando estava a poucos quilômetros da malfadada rodovia, ouviu um estouro. Era o pneu que explodira feito balão em festa infantil, lançando tiras de borracha por toda a pista. Praguejou. Não podia andar com nenhum eixo erguido, o caminhão estava lotado! E assim viu-se obrigado a encostar, desperdiçando um tempo precioso na função de trocar o pneu. Seguiu em frente, mas logo empacou novamente num trecho em obras. Soube que a coisa ia demorar quando surgiram os vendedores, ofertando paçocas, jabuticabas, água mineral e pendrives de música. E depois de finalmente passar pela obra, encontrou diversos trechos de subida e descida. Na subida, o peso o forçava a ir devagar, e nas descidas, o receio de perder o controle com tanto peso também o forçava a ir devagar. Estava se atrasando, e muito.

Por fim, quando chegou na estadual, já era noite... Pra piorar, mal dobrou o trevo de acesso e o rádio chiou estática, dando adeus às músicas e ao locutor, adeus à companhia. Estava sozinho na cabine escura, ele e a estrada. Disseram-no para não ir lá, e ele não só foi como ia nesse horário. Mas qual era o remédio? Fez o sinal da cruz e prosseguiu. Com o passar dos quilômetros até achou boa a estrada. Era tranquila, razoavelmente bem sinalizada e não tinha mais buracos do que as outras estaduais. Mas à medida que o tempo foi passando, achou a estrada tranquila até demais, pois não encontrava nenhum paradouro para descansar. Nem ao menos encontrava uma sinalização indicando a distância até o próximo posto. Foi ficando cansado, mas como tinha medo de ser assaltado caso parasse pra dormir no acostamento, decidiu prosseguir. "Assim até chego antes", disse a si em consolo.

Cabra de Bigode - e outras históriasWhere stories live. Discover now