A loira do banheiro

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Esta é uma história baseada em fatos mais ou menos reais (nem tão reais assim, mas também em nada irreais), que se passou há muito tempo.

Eram meados da década de oitenta, em uma noite num acampamento de férias no interior de São Paulo. Estudantes do Segundo Grau de um tradicional colégio paulistano se acomodavam no casarão da moradia para mais uma noite de descanso. Mas não todos eles. Pois um grupo de rapazes se acotovelava ao redor da televisão do acampamento, localizada na grande sala nos fundos do casarão, para assistir um filme atrás do outro no videocassete. Naquele dia alguns deles haviam dado um pulo até o centro, onde passaram na videolocadora e alugaram todas as fitas de terror que puderam. Agora lá estavam eles, meia-noite passada, tão logo acabando um filme para já rodar o outro, deixando a rebobinagem das fitas (!?) para a locadora. Luzes apagadas no simples e apertado casebre de madeira, a noite escura lá fora, sem um raio de luar. Com pipoca e guaraná à vontade (tempos de inocência!), a sessão noturna seguia animada e apavorante. Curtiam com olhos vidrados e excitação incontida a filmes como o pútrido Renascido do Inferno, o previsível mas sempre sensacional Sexta-feira Treze, o sobrenatural horripilante dos espíritos malignos Poltergeist, o cômico assustador de A Casa do Espanto, o ridículo mas mortal Brinquedo Assassino, o suspense constante de Halloween, o tocante mas traumatizante A Maldição de Samantha e, é claro, a grande sensação do momento, o recém-lançado A Hora do Pesadelo, estrelando o indefectível Freddy Krueger. Este último, junto com os filmes do assassino Jason, estava entre os preferidos da turma. A sessão era de terror, mas quase todos os rapazes riam e se divertiam, à exceção de um. Encolhido num canto da sala, Sérgio roía as unhas e esbugalhava os olhos a cada cena. De fato, Sérgio era conhecido como o mais medroso de todos. Todavia, lá estava Sérgio, resistindo de olhos bem abertos (até demais!) às cenas mais horripilantes de cada fita. Digamos então, mesmo sob a incompreensão geral, que Sérgio era um medroso corajoso.

– Ei, Cabaço – alguém riu enquanto acendiam as luzes da sala – pode sair debaixo da mesa, os filmes já acabaram.

Cabaço era a alcunha de Sérgio que, além de medroso, era também virgem – fato de conhecimento geral na escola, pois o rapaz cometera o erro crasso de contar ele próprio para toda a galera durante uma conversa de recreio. Claro, boa parte dos que se divertiam debochando da condição de Sérgio também eram virgens, mas isso mantinham em segredo. Da parte de Sérgio, porém, a coisa toda ia muito além da virgindade. Ia desde sua inexperiência sexual, passando por sua cara de tomate com catapora de tão cravejada de espinhas, até seu jeito de quem parecia ser surpreendido pelo mundo a todo momento. Em suma, era o objeto preferido das chacotas da turma:

– Ô, meu – alguém riu de Sérgio enquanto apontava para uma poça de guaraná derramado num canto da sala – vai lá buscar um balde e um pano pra limpar sua sujeira, medroso mijão.

– Ei Cabaço, vai correndo lá pra cidade buscar mais filmes pra nós.

– Pera, turma – um rapaz alto e forte chamado Paulão ergueu os braços. Por já ter rodado de ano duas vezes, Paulão era o mais popular do grupo, tanto que calou o crescente agito da galera com facilidade – Já sei o que vamos fazer: contar histórias de terror!

A algazarra era agora em torno da excelente ideia. Sentaram-se em roda em torno de Paulão que, obviamente, sabia contar as melhores histórias.

– Não, Cabaço, você não vai dormir agora – um dos rapazes conteve Sérgio pela camisa quando este tentava sair de fininho.

– É isso aí, senta aqui na minha frente – Paulão puxou Sérgio para perto, arrancando risos da turma. Era divertido ver suas reações espalhafatosas ao ouvir histórias de terror. Sua simples presença na roda já era uma atração à parte, senão a principal atração.

Cabra de Bigode - e outras históriasTahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon