Cap 3

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Os três sóis moribundos e enormes, parecidos com luas aumentavam a temperatura de forma quase insuportável.
Tudo nesse lugar me causava repulsa; inclusive a areia ridícula de cor laranja. A sandália fina de couro de cabra não era suficiente para bloquear a quentura que subia através da areia.

A sensação era a de estar numa fornalha.

Comecei a caminhar como se fosse íntima do local, de nariz e ombros empinados, com uma confiança que era originária de minha personalidade.

Diversas almas confusas vagavam perdidas, sem saber aonde estavam. A maioria não sabia nem que haviam desencarnado. Que desprezível... o ser humano era realmente patético.

Um garotinho de no máximo sete anos veio pela minha lateral e cutucou minha costela.

Olhei para ele com todo o ódio que conseguia reunir. O toque dos mortos era incômodo... gelado, apesar do calor.
Virei todo o corpo de forma que ficasse de frente para ele, e um pequeno gemido escapou de seus lábios mortos quando ele absorveu minha figura e notou Crocicó acomodado em meu ombro esquerdo.

- Fale. - Exigi de forma cruel. Não me importava nenhum pouco se tratar do espírito de uma criança.

- Moça, por favor, estou procurando pela minha mãe. Me ajude! As outras pessoas não me escutam. - Os mortos no Raso e no Meio não tinham a capacidade de se comunicarem entre si; somente com os Intermediadores, figuras horripilantes  e cansadas.

Reparei bem o menino. Suas vestes estavam completamente enrugadas e os seus lábios, azuis.
Hum...

Me aproximei, e ganhei de volta um leve encolher de ombros.
O medo era tão saboroso...

- Onde você se afogou, criança?

- Eu, eu...eu estava brincando com a minha prima na ponte que fica em cima do lago, na casa da minha avó. De repente, escutei mamãe gritar meu nome, e em seguida, senti frio.

- Estamos em que ano? Sabe me dizer isso? - Perguntei ávida pela resposta.

- Acho que é 2003.

Eu não me surpreendia com facilidade, mas ele estava vagando a dezenove anos. Geralmente crianças encontravam seus lugares de descanso com mais facilidade, porém, as lamentações da família no Mundano prendiam muitos aqui, por muito tempo.

Agachei para que ficasse na altura dos seus olhos.

- Criança, posso ajudar você a encontrar sua mãe.

Seus olhinhos se encheram de lágrimas fantasmas.

- Me leve até ela, por favor! Não gosto de ficar aqui! Estou tão confuso...

- Primeiro, terá que fazer um favor para mim.

Sua empolgação diminuiu um pouco, mas ele falou com determinação:

- Qualquer coisa.

Eu abri involuntariamente um sorriso, e dessa vez, ele se assustou pra valer.

- Ainda tem coragem?

- Si...sim. - Disse o menino baixinho enquanto olhava fixamente para os meus dentes pontiagudos e negros.

- Preciso que encontre a minha irmã aqui. Estou com medo também, igual a você. - Fiz um beicinho para tentar convencê-lo.

- Como faço isso?

- Basta procurar pelo nome Sinkra. Seu espírito juvenil a encontrará com facilidade, já que ela gosta de crianças.

- Tá bom, tia. Isso no seu ombro é um urubu?

Estreitei os olhos com impaciência.

- Sim.

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