01 - Garotinha insolente

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Em sua poltrona gasta e quase acoplada ao seu próprio corpo, Amélia, com olhos embaçados e cansados tentava focar nas poucas fotos que lhe restavam na velha estante cheia de falhas por ser a mesma há sessenta anos. Com a mão levemente trêmula e enrugada e com certo esforço, puxou um porta retrato com as bordas amareladas e tentou visualizar quem ocupava aquele pequeno quadro em suas mãos.

As lágrimas começaram a descer continuamente e foi impossível ter certeza de quem era, mas, mesmo assim, não importava. Ela sabia que quem quer que fosse nunca viria ao seu encontro já que ela afastara a todos com a sua personalidade completamente instável.

— A culpa que carrego dentro de mim vai me matar primeiro do que minha idade avançada e todas as dores que sinto no corpo. — balbuciou entre os soluços que lhe doíam na alma muito cansada de ainda vagar por essa terra.

Amélia sempre foi uma pessoa extremamente rude, inconstante, inflexível, amargurada, intolerante, orgulhosa e mais do que nunca impaciente com qualquer ser que cruzasse seu caminho. Nunca se casou, nunca conseguiu se aproximar de seus familiares que sempre saíam magoados ao estar em sua presença e não teve nenhum amigo em toda a sua existência. E olha, que muitos tentaram se aproximar, mas, ela nunca permitiu. Os vizinhos já deixaram de tentar contato há anos também, Amélia vive praticamente sozinha desde os seus vinte anos depois da morte de seus pais que foram os únicos que a amaram mesmo que esta sempre tenha sido diferente deles, após isso, ela ficou ainda pior.

— As pessoas sempre me odiaram e irão me odiar até quando meu nome for lembrado por alguém. Coisas ruins sempre foram associadas a mim e sempre serão, acredito eu.

— Talvez as pessoas não a vejam da mesma forma que a senhora se enxerga, dona Amélia.

— A verdade, minha querida, é que ninguém jamais me enxergou. Nem mesmo eu conseguia me ver, como outros poderiam fazer isso por mim? Os meus pais tentaram, tentaram muito e nem eles foram capazes de tal coisa, então, os outros, muito menos seriam.

— A senhora algum dia permitiu alguém a ver?

— Somente uma pessoa tentou de verdade me ver, mas, ele se foi antes mesmo de conseguir.

— E quem foi ele?

— Um antigo colega de turma. Nada do que eu fazia parecia afastá-lo, mas, isso me deixava mais irritada ainda e mesmo assim, todos os dias, ele estava por perto procurando alguma coisa para comentar comigo.

— E o que aconteceu com ele?

— Ele foi embora para longe e nunca mais o vi.

— E nunca trocaram cartas? Ligações? Nada?

— Mal trocávamos alguma conversa minha cara, como poderíamos trocar cartas e ligações?

— E a senhora ainda se lembra do nome dele?

— Talvez, mas não quero me esforçar para ter a certeza que sim.

— E por que não?

— Creio que já tenho muito arrependimento e mais um não me faria bem, minha jovem. Eu fui tão rude com ele que não conseguiria nem o olhar nos olhos sem desejar já estar morta.

— Senhora, Amélia, fala muito de morte.

— É a minha única esperança, querida. Pena que ela me demora a vir, por isso, sofro mais. Creio que esse deve ser o meu castigo.

— Por favor, não diga isso. Não gosto quando fala assim.

— E em quê isso te causa dano? Em nada, suponho.

— Posso perguntar o porquê da senhora ser assim?

— Porque eu quis ser assim.

— E em quê isso te beneficiou?

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