05 - Chance?

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Dona Amélia acordou assustada num local parcialmente escuro e foi segurada por uma Isabel de olhos inchados, olheiras e um cabelo terrivelmente bagunçado.

— Isabel, é você mesmo ou estou sonhando?

— Sim, dona Amélia, sou eu. Que bom que está viva, irei chamar o médico!

E correu para fora da sala desconhecida para dona Amélia que tentava se situar e entender o que significava tudo aquilo.

Será que havia morrido ou seria um pesadelo?

Imediatamente, um médico alto adentrou a sala ligando a luz que incomodou os olhos da idosa que os fechou bruscamente em resposta.

— O que está acontecendo, em? Alguém pode me explicar?

E o médico explicou com exatidão que ela havia passado por um começo de infarto e apagou, foi achada por Isabel e trazida para o hospital ontem à tarde. E que graças a Deus, estava melhor, ainda que com o coração fraco e devido a isso precisaria de descanso por uns dias levando em consideração a sua idade. Ela não gostou nada, mas, ao ver o irmão caçula parado à porta do quarto, consentiu e aceitou que Isabel cuidasse dela.

Outros queriam cuidar dela, mas, a mesma não permitiu ninguém cuidar a não ser Isabel. Os outros poderiam visitá-la o que foi um choque, mas, não por muito tempo.

— Um dia ou outro passem por lá e ao constar que estou bem, sigam em paz para casa. Eu me cuidarei melhor daqui pra frente, prometo. Assim evito incomodar novamente.

Valentino estava assustado com a possibilidade de quase ter perdido sua única irmã, já que os outros três também são homens. E perder logo sua irmã, a qual não tinha contato por exigência dela mesma, seria horrível por várias razões. E se encontrava ainda mais estupefato em saber que poderia ir novamente até à velha casa dos pais e antes do tal jantar que não conseguia acreditar ter sido marcado por Amélia. Ele tentava digerir a ideia dela ter sentido que poderia partir a qualquer momento e por isso ter decidido marcar o jantar e ainda sim, era muitíssimo estranho.

E sentia profunda gratidão por Deus e sua infinita misericórdia, que permitiu sua irmã continuar sobre essa terra e assim quem sabe, perdoar e ser perdoada, ou melhor, saber que pelo menos por ele já foi e há anos.

— Por que está me encarando, Valentino?

— Estava pensando sobre umas coisas, irmã. É reconfortante saber que está viva e bem.

— Reconfortante, certeza? E para você?

— Tenha plena certeza disso. Nunca desejei o mal a você, pelo contrário, há anos que desejo o melhor e somente o bem.

— Será que posso mesmo acreditar em você?

— Acha que se estivesse mentindo, estaria aqui? Ou passaria todos os dias em frente de sua casa na esperança de te ver? Ou ficaria parado lá por um tempo desejando ver seu rosto mais uma vez? Ou quem sabe, sentir saudade e não ter coragem de ir até sua casa por medo de ser escorraçado de novo igual tantas outras vezes?

Amélia ficou calada por um tempo antes de ser capaz de verbalizar de novo.

— Quanto a isso... a tudo isso... eu... peço que possa perdoar essa velha imatura e cheia de amargura. Eu não sei o motivo de ter sido como fui no passado, mas, sei que existem milhares de motivos agora para me ajudar a melhorar e ser diferente.

Isabel estava no corredor ansiosa para entrar e ver dona Amélia novamente, ter certeza de que estava bem e ficar ao lado dela.

Tinha ligado para o marido e esclarecido tudo.

— Tem certeza que ficará bem, meu amor? Se quiser, posso ir até aí e ficar ao seu lado.

— Não, amor, ficarei bem e creio que ela também. O médico alegou que ela está melhor e só precisa de muito cuidado e repouso, por isso, me prontifico a estar ao lado dela até ter a certeza que tudo está devidamente em seu devido lugar. Afinal, suponho que metade da culpa de todo esse caos, seja minha.

— Não diga isso, amor. Faz dias que vocês não se veem e ela passaria mal agora?

— Quem sabe, tenha se alastrado aos poucos a decepção e culminado só agora?

— Isabel, meu amor, não se preocupe. Creio que você não tem nada a ver, direta ou indiretamente, com o que aconteceu com ela.

— Espero que ela sare por completo e que jamais algo do tipo venha se repetir, não gosto nem de ponderar tal possibilidade.

— Também torço para que nada mais aconteça a essa senhora.

— Amém!

Valentino sai do quarto e Isabel sorrir para ele que retribui e se aproxima.

— Ela quer vê-la, senhora.

— Ok, muito obrigada. — o mesmo acena e segue para o fim do corredor de encontro aos familiares que desejaram estar ali. — Meu bem, ligo mais tarde e te aviso sobre qualquer coisa.

— Tudo bem. Por favor, se cuida e se alimenta. Amo você e já estou com muita saudade.

— Eu que amo você e nem me fale em saudade. E não se preocupe, me cuidarei sim. Beijo.

— Outro.

Isabel encerrou a chamada, puxou o elástico do cabelo e refez o rabo de cavalo e seguiu depois de respirar fundo até o quarto novamente.

— Oi, posso entrar?

— Claro que pode, te chamei, não foi?

— Sim, senhora. Em que posso ajudá-la? Quer comer alguma coisa ou está com sede? Precisa ir ao banheiro? Eu te ajudo...

— Por amor aos meus e aos seus nervos, se acalma e para de falar.

— Desculpa...

— Sei que está preocupada, contudo, respira bem fundo e vem aqui, por favor.

Isabel obedeceu e caminhou até estar ao lado do leito.

Sem conseguir discernir imediatamente, seus ombros foram envolvidos pelos braços daquela senhora que tanto ama, seus olhos embaçaram e o choro da mesma a comoveu profundamente e pareceram longos minutos até ela entender o que estava realmente acontecendo.

— Isabel... — seu nome soou de forma falha nos lábios trêmulos de Amélia. — Eu estava com tanta saudade de você que pensei que poderia morrer a qualquer momento. E a possibilidade de morrer sem antes te pedir perdão e vê-la por uma última vez me causou pânico.

Isabel começou a soluçar e sua alma estancou a dor acumulada durante esses dezesseis dias em que não conseguia respirar direito imaginando nunca mais ver esta senhora que a abraçava tão amavelmente.

— Como senti sua falta, minha menininha insolente. Quanta falta você faz naquela casa, na nossa casinha humilde e completamente nossa. — ela afastou sua menina e a admirou. — Perdoe-me por todas as palavras inúteis que lhe proferi naquele dia e perdoe-me por feri-la por conta das inúmeras feridas que carrego sem curar, por magoá-la tanto me esquecendo do quanto você me ajudou nos meus dias. Você trouxe luz a quem só vivia em trevas, Isabel. Eu amo você tanto quanto amaria se fosse minha filha de verdade e não só do coração. Sei que o Deus a quem você serve, existe. Só pelo simples fato de ter tido compaixão de uma velha pobre e rude igual a mim, cedendo sua companhia a mim. Obrigada por tudo que fez por mim em todo esse tempo, mesmo que no início tenha sido difícil me aturar, porém, obrigada por ter insistido. Sua insistência me trouxe até aqui. E aproveitando a deixa, espero que tenha um bom cardápio em mente, afinal, temos um jantar para preparar, certo?

Isabel se jogou nos braços de dona Amélia e as duas choraram por um longo e curativo tempo.

Amor e AmarguraWhere stories live. Discover now