Isabel finalizava a impressão de mais uma folha com os poucos convites que iria usar.
Ela não se conteve e passou longos minutos em frente ao computador e com uma agonia enorme dentro do peito, montou um convite simples e o multiplicou até ter a quantidade exata que iria precisar.
— Será que ela ficará muito brava comigo?
— Eu ficaria, meu bem.
— Você não gostaria que algo fosse feito diante de tanto sofrimento?
— Gostaria sim, se soubesse antes.
— Eu tentei falar com ela, Rogério.
— O que aconteceu com o "meu bem"?
Isabel sorriu, afastou a cadeira e se levantou indo até a cama onde se aconchegou nos braços do marido.
— Meu bem, me esforcei para falar com ela, mas, não consegui. Sinto que preciso fazer algo e não pensei em mais nada além dos convites.
— Meu amor, sei o quanto sente compaixão por essa senhora e vejo estampado no seu rosto e em cada palavra relacionada a ela, o tamanho do seu desejo de vê-la muito bem e com a família, porém, isso cabe somente a ela decidir, não acha? Você não deve interferir nisso sem que ela saiba, porque sua decisão pode causar mais dor a ela que já coleciona tanta.
Ele beijou a testa de sua mulher e acariciou seu rosto.
— Eu sinto que preciso mesmo tentar.
— Está ciente das consequências do seus atos, certo? Faz pouco tempo que dona Amélia abriu espaço para você naquele coração ferido, acha que já pode tocar na ferida dela e sair ilesa? — Isabel suspirou e inquieta se afastou dos braços do marido, encarou as próprias mãos e começou a torcê-las num gesto ansioso. — Meu amor, olha pra mim, por favor?
— Preciso fazer alguma coisa. Eu simplesmente não suporto mais vê-la daquela forma, naquela casa antiga e sem uma pessoa para conversar e lhe fazer companhia, me parte o coração.
— O meu também dói ao pensar na situação. Por que não tenta falar com ela só mais uma vez?
— Eu não consigo falar sobre isso com ela.
— Então, se não consegue falar sobre isso com ela, por que ainda sim, quer fazer isso? Falar e fazer com que outros a procurem para resolver algo que ela não deseja resolver pode gerar mais problemas.
— Quem disse que ela não deseja resolver? Eu quero que ela possa se desculpar e ser desculpada, que ela tenha mais alguns anos e felizes antes de partir. Fico a observando enquanto ajeito as coisas pela casa e sinto tanta aflição ao vê-la sentada naquela poltrona; ora encarando as pouquíssimas fotos na estante ou ouvindo música clássica de olhos fechados, ora encarando a janela como se viajasse para anos e anos atrás, ou encarando o piso por minutos a fio, muitas vezes, minha maior vontade é a de ficar lá com ela, de verdade.
Isabel se entrega às lágrimas e Rogério logo a toma novamente nos braços, amparando sua esposa que armazena em seu coração um amor tão bondoso, gentil e compassivo pelo próximo que chega a ser desesperador vê-la assim. E apesar de tentar barrar sua ideia, consegue ser capaz de compreender toda a aflição de sua amada. A senhora por quem ela tanto clama, realmente, precisa de ajuda e merece ter uma chance de ser feliz ainda que nos últimos anos de vida que ainda lhe restam nessa terra.
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Amor e Amargura
Short StoryAmélia sempre fora uma pessoa rude, instável e orgulhosa ao extremo. Defeitos que afastaram a todos e consequentemente, lhe fizeram ser solitária e amargurada. Tudo o que mais almeja em seus 85 anos é a morte, mas, uma diarista sem medo, cheia de a...