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Flores, 2003.

Estacionei o Celta em frente à casa indicada pelo nerdinho, cujo nome era João Pedro Gigliotti. A porta de entrada dava direto para a rua das palmeiras, assim como as janelas do andar de cima e do andar térreo.

"Casinha antiga... Deve estar nessa família desde que o mundo é mundo!", refleti olhando a janela de vidro canelado iluminada.

A família que morava ali era composta pelo pai do João, seu Irmo, a mãe Dorotéia e os filhos, por ordem: Janaína, João Pedro e João Leonardo. Havia mais uma moradora na casa, uma senhora chamada Júlia, a bisavó dos garotos.

— Vó, essa daqui é a Jornalista que eu falei! - João Pedro gritou ao lado da idosa.

A idosa entreabriu os olhos e voltou ao seu sono.

— A vó só faz dormir! - Dona Dorotéia explicou -- Ela está surdinha de um ouvido, então a gente tem que gritar no ouvido que ainda está bom.

— Quantos anos ela tem? - Perguntei em tom normal.

— Ah, ela tem cem anos.

— Noventa e oito, Abigail. Eu tenho noventa e oito anos... - A velhinha resmungou - Sonhei com o Pino e o forasteiro...

— Tá bom, vó, tá bom! Dorme de novo... Haha, ela tá gagazinha, coitada! - Dorotéia empalideceu subitamente e ao corar mais do que o necessário, deu um sorriso amarelo.

— Eu posso gravar a conversa? - Perguntei mostrando o gravador. Ninguém se opôs e disparei o REC.

Puta que o pariu... A velha foi testemunha ocular e a neta sabe de alguma coisa...

— Vosmecê é Jornalista? - Irmo perguntou.

— Da Folha de São Paulo, pai! - João Pedro comentou orgulhoso - Ela entrevistou o Kurt Cobain do Nirvana.

O pai não se impressionou com as minhas credenciais.

— Na família, infelizmente não tem um músico sequer. Poderia ter algum cantor pra fazer dupla, ficar rico e tirar a gente daqui, mas, que puta azar!, nem cantor e nem político tem, nem na minha família, nem na família da mulher... - Irmo comentou – Só que eu vou me candidatar a Prefeito nessa cidade pra mudar as coisas... Na cidade, é claro!

Ahaaaammm... Sei...

— Desejo boa sorte ao senhor! Bem, eu não estou escrevendo sobre música no momento. Estou escrevendo sobre Imigração italiana e os descendentes dos imigrantes. − Expliquei ao me sentar na ponta do sofá de dois lugares revestido de corino − O João Pedro me disse que vocês são Gigliotti...

— A Dorotéia é da família dos Gigliotti. Eu sou brasileiro, sou Silva.

"Silva Mendes?"

— Ah, e de onde vieram os seus antepassados, dona Dorotéia?

— Foi da... Aquele lugar mesmo na Itália? Acho que de Milão ou Veneza...

— Nápoles, Abigail. - A idosa a corrigiu sem abrir os olhos - O pai de vocês imigrou com a família pra fugir da fome e só encontrou encrenca no Brasil. É ladrão, é delegado que acoberta crime...

— Dona Júlia tá caduquinha, caduquinha... - Irmo disse com desprezo.

— Por que o seu interesse nos italiano que imigraram da Itália, moça? - Dorotéia perguntou - Seu nome não é italiano, é brasileiro, né?

— É espanhol, Dias com Z, Diaz.

Se eu falasse que sou Diaz Percipalle, eles nunca me atenderiam.

— Eu trabalho nessa matéria sobre imigração Espanhola e Italiana faz tempo. Tem muito menos sobrenomes espanhóis no Estado de São Paulo do que sobrenomes italianos...

— O forasteiro deveria ser de família rica. O pai dele era todo empolado e o rapaz que o acompanhava era outro "almofadinha" de São Paulo... – A idosa me interrompeu. Ela apoiava a cabeça baixa com a mão encarquilhada na testa e falava provavelmente, de olhos fechados.

O casal se entreolhou e a anciã continuou:

— ... Deu dó do homem, veio ver se o filho estava vivo, encontrou os pertences dele e passou mal no meio da rua... O defunto que enterraram não era o filho dele...

— Senhora aceita um cafezinho? — Doroteia perguntou coçando o antebraço e sorrindo amarelo.

— Si... - Virei minha cabeça na direção da idosa.

— ...Era o o corpo do rapazote que roubou o forasteiro e acabou morto pelo jagunço e o doutor... O Pino estava lá e viu... Ouviu...

— Do que a senhora está falando? O Edoardo Percipalle foi assaltado e morto?!

Sem resposta, levantei-me e fui a ela e gritei em seu ouvido bom.

— Dona Júlia, por favor, é importante: o moço da Farmácia Rossi! Quem o assassinou?

— Do que VOCÊ está falando, moça? - Irmo questionou surpreso - A avó da minha mulher está velha, gagá e misturando estação... Pelo jeito, você mentiu pro garoto e tá aqui pra engabelar a gente!

Ignorei o protesto do dono da casa e agachada ao lado dela, implorei:

— Dona Júlia, por favor, lembre de mais alguma coisa... - Insisti e voltei-me ao dono da casa: — Seu Irmo, eu juro que não vou criar problemas para vocês, só quero saber o que aconteceu de verdade com o meu bisavô!

— Você se retire daqui. Jornalista da Folha de São Paulo?! Você nem deve ser Jornalista!

Puxei minha bolsa e com as mãos trêmulas, peguei minha carteira para mostrar a carteirinha do MTb.

— Só que eu estou investigando a morte do meu bisavô para que na família do meu pai nunca mais circule a história de que ele morreu de overdose. - Entreguei a carteirinha ao dono da casa — Eu sei que fiz errado, foi antiético da minha parte...

— ... A dona Eulália mandou matar o forasteiro porque ele testemunhou contra os capangas dela que tentaram matar a prostituta lá em São Paulo.

A anciã abriu os olhos.

A confusão que eu causei na casa, levou Dorotéia a questionar quem era a tal Eulália. A idosa:

— Ara! A dona Eulália, da Fazenda Morro Preto! Esqueceu daquele forfé com a filha dela e o noivo lá em São Paulo?

— Ó, moça, melhor você ir embora, que já tirou a paz da casa, viu? - Irmo abriu a porta.

Peguei minha carteirinha, o gravador e a minha bolsa e saí rapidamente.

💮

Acordei com o telefonema do Gérson para o telefone do hotel.

— Li, peguei o seu recado na caixa postal. Cara, você tá bem? Já voltou para casa?

— Não, ainda estou em Flores. - Esfreguei os olhos e continuava deitada. Contei a minha aventura e ele:

— Pensa na Vivien e vai embora desse meio do mato, pelo amor de Deus! Essa gente é muito estranha e apesar da morte do seu tataravô ter acontecido há mais de 50 anos, eles estão escondendo o que claramente foram dois assassinatos segundo a velha!

— Vocês ainda estão nos Estados Unidos?

— Não muda de conversa! Li, vai embora daí, hoje e agora! Se você não fizer o que estou pedindo, vou ligar para seus pais na Itália e contar tudo o que você está fazendo...

— Tá, eu vou embora hoje, Gerson, pronto, saco! Nem parece que você éJornalista... - sentei na beira da cama.

FLORESOnde histórias criam vida. Descubra agora