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São Paulo, Janeiro de 1926.

Cândida não aceitou a viagem à Argentina. Deprimida pela perda da filha, preferiu ficar com os filhos e com o marido, que a presenteou com um cachorrinho, um Cocker Spaniel Inglês preto e branco no natal.

— Ela precisa ter a sua própria casa. - Basílio concluiu olhando o cachorrinho correndo atrás dos sobrinhos.

— Sei disso. - Edoardo deu uma tragada no cigarro - Mas, sem farmácia e sem ganho, como eu vou fazer?

— Eu sei como fazer. Recebi uma proposta de trabalho em Flores e eu posso recusar em seu favor. Teria que recusar de qualquer forma... - Basílio tirou a carta do bolso da calça - Deve se lembrar do Bruno Rossi. Pois bem: ele me escreveu dizendo que precisa de um sócio para expandir a farmácia que ele abriu na cidade. Cá está a descrição da cidade: aprazível, não faz muito frio, os aluguéis são baratos e ele pode assegurar a fiança.

— É um achado! - Edoardo tirou a folha de papel do envelope - Pelo que me consta, Flores é razoavelmente perto de Araraquara, Ribeirão Preto e São Carlos. A Cândida estaria perto da mãe e dos irmãos! Você tem certeza? O Bruno quer você, não eu.

— Escreverei dizendo que não posso e, você sabe, fratello mio, não posso aceitar! O que será do papà e a mamma se eu piorar? Indicarei você e assim, você e a Cândida ficarão bem. É o que me importa.

A carta escrita por Basílio recusando o convite e indicando Edoardo, foi redigida no mesmo dia 25 de dezembro e postada no Correio em 28 de dezembro. A entrega da carta, estimou Basílio, seria por volta do dia 20 de janeiro, logo, antes mesmo do carnaval, Cândida e os meninos chegariam à Flores para se unirem a Edoardo.

" Se Deus Todo Poderoso permitir a graça, vou me curar e me casarei com uma mulher como a Cândida!", Basílio suspirou olhando uma foto de Cândida e os três filhos dela.

Basílio sempre amou a melhor amiga e o segredo desse amor era seu maior tesouro. Assim que o noivado de seu irmão com o objeto da sua afeição foi anunciado, ele sofreu, mas junto, vieram as primeiras convulsões. Doente, ele resolveu transmutar seu sentimento de amor e desejo pela cunhada em abnegação pela felicidade do casal formado pelo irmão que adorava e a mulher dos seus sonhos. Se eles estivessem felizes, ele estaria feliz, no entanto, rogando à Deus pela cura do problema em sua cabeça que lhe permitisse buscar a sua própria felicidade.

Por outro lado, Edoardo resolveu levar a família para desfrutarem de alguns dias no litoral.

Mostrou o mar aos filhos, empinou uma pipa com piccolo Emigio e Paulo; cantou as canções de ninar que aprendeu com a mãe no dialeto dela, embalando Rodrigo.

Crianças na cama, Edoardo encontrou Cândida sentada na varanda, descalça e com a saia erguida pouco acima dos joelhos.

— Se o Setúbal a visse assim, ele encheria mil cadernos com odes aos seus tornozelos! - Edoardo entregou à esposa uma taça de vinho.

— O que tem os meus tornozelos? Não entendo essa obsessão sexual que vocês homens tem por tornozelos... - Cândida riu e Edoardo sentou-se ao seu lado.

— Digamos que eu tenho obsessão sexual por seus pezinhos... Seus tornozelos... Por suas panturrilhas... Por seus joelhos...

Os olhos dele subiam

— Afe Maria!

— Pelas coxas... - Edoardo encostou os lábios no pescoço da esposa, sussurrando - E em tudo entre as coxas e o umbigo...

A moça colocou a mão na boca, rindo.

— Edoardo, Edoardo... - Ela corou.

— E tem mais: sou fascinado por sua barriga, suas costas e o seu regaço...

— Eu te amo, Edoardo Percipalle!

O casal se beijou apaixonado antes de terminarem suas taças de vinho e passearem de mãos dadas na areia da praia.

Poucos dias depois, a família se despediu de Edoardo na estação da Luz. Ele pediu a bênção dos pais, abraçou e beijou o rosto das irmãs, abraçou os cunhados, Caio e os quatro sobrinhos; de frente à Basílio, abraçou-o fortemente e prometeu que enviaria uma carta assim que chegasse à Flores.

— Estou ansioso por essa carta! Não esqueça nenhum detalhe da viagem!

— Pode deixar, fratello mio! Rogo que cuide bem da minha família.

Emílio, esfregando o olhinho choroso, abraçou as pernas do pai.

— Posso ir junto?

Edoardo abaixou-se e na mesma altura do filho, disse:

— Você é agora o homem da casa e quem vai cuidar da mamãe para mim, Digo. Seja bonzinho, obedeça aos mais velhos e reze todas as noites. Eu voltarei em breve para viajarmos no trem.

— Siiiim senhor, papà...

Edoardo deu-lhe um abraço apertado e sussurrou:

— Não se esqueça que eu te amo, amo seus irmãos e a mamãe.

Paulo, enciumado pelo abraço do pai no irmão mais velho, fez um beicinho e Edoardo o puxou para si.

— E você, doutor Paulo, será o auxiliar do nosso general Emigio! Obedece aos mais velhos e dê bons conselhos ao seu mano!

— Num vai, papà... - Paulo se agarrou ao pescoço do pai.

— Meninos, deixem o papà se despedir da mamma. - Caio esticou as mãos.

Cândida, com Rodrigo no colo, segurava-se para não chorar, afinal de contas, em algumas semanas ela e os filhos enfrentariam a longa viagem para se encontrarem em Flores.

Edoardo beijou a cabeça do caçula e sussurrou à esposa:

— Não se esqueça: em duas semanas, o Basílio vai comprar as passagens com o dinheiro que deixei na conta. E se precisar, vá, sim, ao cabeleireiro antes da viagem. Eu te amo, meu passarinho!

— Eu te amo, meu príncipe encantado!

Era a hora de partir e o beijo entre os dois foi rápido.

Dia 21 de janeiro de 1926.

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