Todas As Providências Cabíveis

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Ela fica tanto tempo parada na mesma posição, que por um minuto você considera que esteja morta. Seria melhor que ela realmente estivesse, você pensa, pois assim não precisaria se preocupar em observá-la e poderia, enfim, voltar a viver sua vida pacata de nadar, beliscar as algas e comer a ração depositada sobre a areia. Mas com aquela humana ali, fazendo coisas suspeitas, seu apetite se escondeu tão bem quanto você se esconde nas tocas.

De repente, um novo som surge num rompante. É estridente. Ela dá um pulo, assustada, ao passo que você apenas a observa com mais atenção — já não tem mais medo dos seus movimentos. Ela, então, retira de suas vestimentas algo preto, e coloca próximo ao rosto, com a respiração ofegante. Você diria até que ela parece aliviada com o som, mesmo ele sendo tão incômodo.

— Alô! Tem alguém me ouvindo?! — ela exprime, afobada. O objeto começa a fazer outro barulho, como o chiado de uma cachoeira. — Alô! Alguém!?

— Alô — um som mecânico, parecido com uma voz, sai do objeto.

— Ah, Gracas a Deus!

— Alô, falamos com Edelvaisse Dobrow?

— Sim, sim! Sou eu. — Você logo percebe o desespero em seus olhos, molhados ao ponto de escorrer. — Precisam me tirar daqui, por favor. Vocês precisam me ajudar.

— Encontramos outra sobrevivente, senhor... Okay... Certo... Edelvaisse, você está ferida?

A humana olha para os membros ensanguentados e volta a falar:

— Sim, um pouco. Quer dizer, alguns arranhões, nada muito grave.

— Conseguiu se esconder a tempo?

— Sim, estou escondida.

— Okay... Ela está bem... — A voz do objeto começa a te incomodar pelo leve craquelado metálico que ressoa junto a ela. Você olha ao seu redor e percebe que seus companheiros também estão atentos e igualmente importunados. — Edelvaisse, conte-nos como tudo ocorreu, por favor.

Ela suspira profundamente.

— Eu acordei cedo, após o ciclo noturno — começou. — Tava com muita fome, então decidi descer para o centro de alimentação. Estava tudo tranquilo, não tinha nenhum sinal de que fosse acontecer... Até que ele saiu de um dos elevadores. Já estava completamente deformado, consumido, cheio de sangue, porque provavelmente tinha encontrado alguém no elevador. Ele saiu e veio correndo de encontro a mim. Começou uma gritaria das outras pessoas que também estavam no corredor e... Tinha muita gente acordada naquela hora. Mas apesar de tudo, acho que ele estava prestando atenção em mim! Tenho certeza disso, porque eu não era a pessoa mais próxima dele, mas ele começou a desviar das outras e continuar vindo na minha direção. Acho que foi pelo meu cabelo, não sei. Só sei que eu entrei pela primeira porta que estava aberta, tentando fugir. Me vi dentro de um restaurante de comida brasileira, já tinha muita gente aqui dentro tomando café, então quando ele entrou atrás de mim, tudo virou um inferno! Corri para os fundos, sendo seguida por outras pessoas, e quando vi estava dentro de uma despensa. Estou sozinha, fechei a porta antes que alguém entrasse.

— Certo, então a senhorita em momento algum entrou em contato com o doente?

Você a vê balançar a cabeça de um lado para o outro.

— Não, hora nenhuma.

— Tem certeza, Edelvaisse?

— Claro que eu tenho certeza, vocês acham que eu sou burra?! — ela grita, fazendo você precisar se esconder atrás das algas outra vez. — Eu sei o que poderia acontecer se uma daquelas coisas conseguisse entrar no meu corpo.

Flores, Vermes & BarbatanasWhere stories live. Discover now