Capítulo 5

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DIÁRIO PERDIDOPesquisa inacabada: os monstros do mar e suas habilidadesA SERPENTE DO MARDimensão do poder: 5Força: 7Ferocidade: 9Nível de perigo: 8Raridade: 5A fera conhecida como a serpente do mar possui presas enormes e um corpo escamoso brilhante muito veloz. Suas dimensões variam entre seis (6) e doze (12) metros de comprimento. Vivem em águas mais profundas do que os kelpis, mas menos profundas do que o kraken. Apesar do seu tamanho, elas emergem da água repentinamente quando atacam e, mesmo possuindo uma boca enorme com presas do tamanho de um braço humano, elas se movem muito rápido. A sua presa preferida, segundo os caçadores idiotas do mar, são as lulas, os pequenos kelpis e os humanos. Seu predador natural é o kraken, motivo pelo qual você não encontrará nenhuma delas no território do Mar Profundo. Dizem que ela é atraída pela superfície quando sente o cheiro de madeira envelhecida, mas ninguém ainda conseguiu provar o que a repele.



                                                                                               YaraPela última vez, talvez, Yara chega até onde costumava ser sua casa. Não há estruturas e paredes. Era apenas ali que Yelena gostava de levar todas as sereias que ela encontrava e ajudava. Uma pequena enseada que tem um conjunto de rochedos longos e pontudos onde a maioria das sereias gosta de sentar e apreciar a superfície sem qualquer espectador. É muito perto do Fosso para ter a presença de algum animal, ou de um humano.Com um pouco de receio, o peixe amarelo que é amigo de Yara a segue até o momento em que ela avista suas companheiras nadando ao redor dos rochedos. A primeira a acenar para ela é Yvi. Ela é a única que não detesta Yara por ser diferente. As outras tendem a ignorá-la.— Venha para superfície, Yvi, precisamos conversar — Yara fala na mente dela e em seguida sobe para fora da água, sentindo o vento forte e gélido bater em seu rosto e fazer algumas mechas do seu cabelo voarem para o alto.Logo depois, Yvi emerge e, por sua expressão, está agitada. Sua longa cauda azul está pela metade ainda dentro da água. Seu cabelo negro e longo está coberto de pequenas tranças.— O que houve? Está tudo bem? — Yvi questiona, os olhos azuis repletos de preocupação.— A rainha me mandou para o Exílio. Pensei em me despedir — Yara é breve. Não gosta de despedidas e detesta soar como uma vítima indefesa.— Bom, pelo menos não foi a morte — Yvi responde. — Mas você acha que lá é tão ruim assim?— Não chamam de "exílio" à toa — é a resposta de Yara.— Bom, Yubaba vive lá. Você terá companhia — Yvi aponta. — Vocês duas sempre se deram bem, não é? Mesmo antes, quando Yelena não era rainha.Yara se lembra bem dessa época. Yelena era apenas uma sereia de cauda negra. Ela encontrou Yara vagando sozinha perto do Fosso com apenas alguns dias de vida. Yaranão conseguia usar seus poderes como uma sereia normal. Ela os rejeitava. Controlar peixes para se alimentar, matar, machucar, nada disso era seu forte. Foi Yelena que a havia ensinado a se alimentar de outras formas e a se concentrar para desenvolver seus poderes. Até que a rainha morreu e a Ônix despertou, correndo pelas águas profundas à procura da nova rainha. Yara nunca esqueceria aquela cena. Estavam todas — ela, Serena, Yvi e mais algumas sereias — nadando próximo à Enseada de Cristal quando Yelena apareceu coberta com o brilho da Ônix. Imediatamente, todas as sereias se abaixaram e se curvaram perante ela, e então ela partiu.— Visitarei você de vez em quando — Yvi fala, tirando Yara do fundo de seus próprios pensamentos. — Prometo.— Cuide-se bem — Yara se despede e submerge outra vez.Nadando em frente, em direção ao espaço de Exílio, Yara observa enquanto seu peixinho a segue. Quando passam pelo Fosso Negro, eles escutam os estrondos vindo de dentro do lugar. Yara costumava ter receio de se aproximar dele quando era mais nova e ser pega por alguma sereia violenta para forçá-la a lutar. As lutas entre si são comuns entre sua espécie e a maioria dos desafios acontecem no Fosso. Com mais pressa, ela passa por essa região rapidamente e chega enfim ao Exílio. Ao fundo, ela avista a caverna de Yubaba. Ela nada rápido até enfim parar na entrada. Como se sentisse sua presença, Yubaba abre a porta. A grande pedra se mexe para o lado e Yara e seu amigo peixe nadam para dentro.A caverna de Yubaba é um pouco vazia e um pouco cheia. Cheia, porque está repleta de ossos e partes de peixes e monstros que Yubaba gosta de colecionar. Vazia, porque ela nunca permite que fique completamente tomada pela água. Há sempre espaço para ela tomar algum ar lá dentro, o que é estranho para uma caverna submersa. Yara sempre pensou em perguntar como ela havia feito para drenar toda água do lugar e mantê-lo assim.— Yara, minha criança. Por que veio me visitar? — A voz de Yubaba soa graciosa e macia, como sempre. É estranho olhar para ela e se lembrar de Yelena; não o fazer, no entanto, é impossível. É a mesma voz, o mesmo rosto, a mesma cor de cabelo e cauda que Yelena tinha antes de se tornar a rainha. Ela e Yubaba são filhas gêmeas do mesmo núcleo. Uma raridade que acontece apenas de mil em mil anos, segundo as lendas.— A rainha me baniu também. Pensei em passar aqui e dizer que estarei por perto, caso precise de alguma coisa — Yara diz. Yubaba faz uma expressão leve de surpresa.— Mas por que ela fez tal coisa? Pensei que vocês fossem próximas — ela diz e em seguida nada para mais longe, começando a mexer em um emaranhado de frascos guardados na parte seca da caverna.— Eu salvei um humano muitas luas atrás. Ela disse que, se não o trouxesse vivo para provar minha inocência, seria exilada — Yara conta. Yubaba a olha com aparente empatia.— Então há esperança, Yara. Só precisa achar o humano.— Não quero — ela declara. — Yelena vai matá-lo se eu o trouxer e jamais gostei de tirar vidas. Além disso, mesmo que conseguisse convencer Yelena a não o matar e apenas apagar sua memória, eu nunca vou achá-lo. Ele deve estar bem diferente agora e não estaria mais na praia. Provavelmente está dentro de alguma cidade humana.Yubaba senta-se próximo da sereia roxa, em cima de um rochedo, exibindo um ar de tristeza.— Sinto muito. Esperava que você pudesse ter mais que a vida deste lugar escuro.Yara se sente engasgada em angústia. Por um instante, pensa que talvez fosse melhor ter se despedido de Serena também, por mais difícil que fosse.— Talvez haja um jeito de remediar tudo isso — Yubaba sugere.— Como? — a sereia de cauda roxa questiona.— Não sei se você teria coragem o bastante para tentar.— O que é?— Bom, você pode achar o humano, levá-lo até a Enseada de Cristal e marcar um encontro com Yelena. Talvez uma de suas irmãs possa te ajudar. — Yara logo pensa em Serena e em como ela se ofereceu para isso. Talvez fosse possível levar o humano até a enseada e impedir que ele se afogasse indo até Selenia.— Mas como irei achá-lo? — Yara pergunta.— Você tem quanto tempo? — Yubaba rebate.— Três dias — ela responde.— É muito tempo. São três ciclos lunares. Você pode achá-lo. Procure nas cidades.— Como? — Yara pergunta. — Não posso usar meu canto para controlar uma cidade inteira. Não tenho esse poder.— Talvez não precise. — Yubaba se adianta e mexe em seus frascos. — Eu tenho aqui alguma essência de sereia vermelha. Extraí para caso precisasse um dia. Se tomá-la, poderá ter o poder suficiente para fazer uma transformação, entende? Se tiver pernas, pode se passar por humana.Isso que Yubaba está propondo é fora da lei. Tirar o poder de outra sereia é uma das habilidades de uma sereia de cauda negra. Porém, elas costumam tirar seus dons e guardá-los dentro de si, se tornando poderosas como as outras por algumas horas. Mas guardar um poder de outra dentro de frascos e fazer experiências com eles é proibido. Por isso o primeiro decreto de Yelena ao se tornar rainha havia sido banir Yubaba para o Exílio.— É muito perigoso — Yara diz.— Você pode tentar — Yubaba fala e dá um sorriso encorajador. — Se achar seu humano, pode trazê-lo e mostrar que é inocente. Assim Yelena não se sentirá decepcionada.Uma sensação de peso cai sobre os ombros de Yara. Decepção. É apenas isso que Yelena sente por ela agora, e isso cava um buraco em sua alma. Imaginar que ela é uma vergonha para a única pessoa que a tratava bem e que não a achava uma aberração entre as sereias... Tudo que Yara sempre quis foi que Yelena se orgulhasse dela; tentou esconder suas diferenças das outras sereias a maior parte do tempo para não a envergonhar, mas não foi o bastante.Será que ainda posso consertar isso?Yara pensa cautelosamente no assunto. Encontrar o humano. Não ir para o Exílio. Poder continuar tendo a companhia de Serena e dos outros peixes com quem ela ama tanto interagir, principalmente na Enseada de Cristal. Deixar Yelena orgulhosa dela.— Não tenho nada a perder, imagino — Yara diz, ainda com receio.— Ótimo — Yubaba fala com voz estridente e depois coloca o frasco negro na frente de Yara. — Só tem um detalhe: enquanto tiver com essência vermelha em você, não vai ser possível acessar seus poderes.Yara sente um soco no estômago.— Mas, sem minha habilidade, como posso...?— Terá sua aparência. As sereias têm o corpo atraente para os humanos. É uma espécie de adaptação da Colônia, desenvolvida há muitas gerações. Quando achar o humano, não será difícil fazer ele se apaixonar por você e segui-la.Yara gira a cabeça, confusa. Como de repente a solução para os seus problemas se tornou tão difícil?— O quê? — ela indaga. Yubaba se aproxima dela, a encarando com seus olhos já negros e cheios de poder.— Os seus poderes estarão em você, ainda latentes. Apenas uma faísca e você vai poder controlá-lo e trazê-lo para Yelena, como você quer.— Mas e se ele não... — Ela fica confusa. — Como pode dizer isso?— Yara — Yubaba a interrompe. — Aqui é o Exílio. Não temos vida ou cores e nenhuma alegria. — Ela segura as mãos da sereia de cauda roxa, a encarando. — Deixe-me ajudá-la a sair disso. Não quero que tenha a mesma vida que eu. Tenha coragem.Yara abaixa a cabeça e olha para o fundo da caverna, coberta com água. Seu amigo peixe está nadando em volta da sua cauda. Ele não viveria dentro do mar do Exílio por muito tempo. Não é água pura o suficiente para ele sobreviver. E também há Serena... Sempre foram companheiras, amigas. Abandoná-la por causa de covardia não soa como um bom motivo para Yara.— Então...? — Yubaba chama.Entrar no mundo humano, se misturar a eles. Conversar com eles. Parece loucura, mas, mesmo sendo estranho, parece também atrativo. Ela sempre teve curiosidade de saber. Saber como pensam, como agem, o que comem. Estar entre eles seria mais do que uma aventura. Seria ousado e novo.— Você mesma disse que não tem nada a perder — Yubaba acrescenta.Yara balança a cabeça e em seguida estende a mão para pegar o frasco. Yubaba entrega a ela o recipiente e, sem pensar duas vezes, ela o abre e o leva à boca, engolindo todo seu conteúdo. O líquido negro desce pela sua garganta queimando como brasa viva e continua aquecendo mesmo no estômago. No momento em que Yara tenta falar, ela sente um engasgo em seu peito, crescente e sufocante. Yubaba a toma em seus braços e a leva para fora da caverna rápido, nadando cada vez mais para cima. Enquanto sua visão escurece, Yara observa que está indo na direção do mar aberto. Até que então sua mente se esvai e ela desmaia por completo.Ao abrir os olhos, Yara se encontra deitada na areia. Olhando em volta, ela percebe que está em uma praia. Ela nunca chegava perto demais da terra depois daquele dia no Mar Prateado, quando salvou o humano. Por isso a praia é desconhecida para ela. Somente quando tenta nadar de volta que se dá conta de que não sente sua cauda. Voltando-se para cima, sentando-se, ela olha para o que parece ser um par de pernas presas ao seu corpo.Yubaba não mentiu. Eu pareço uma humana.Com cuidado, ela mexe as pernas. Uma por vez. Primeiro a direita, depois a esquerda. Apalpa as duas, mexendo nos dedos, nas canelas, nos calcanhares. Então percebe que, sem as escamas roxas que cobriam parte das suas costas e seus seios, ela está completamente nua, exposta ao vento e à água do mar.Vagarosamente, a sereia tenta encontrar a melhor forma de se levantar. Primeiro fica de joelhos e engatinha, afastando-se da beirado do mar, ela sai da água e sente um leve desconforto com seu cabelo que, agora pesado, exerce força para baixo contra seu corpo. A alguns metros da praia deserta, Yara avista o que um pequeno barco. Pescadores. É assim que Serena os chama. Humanos que tiram peixes das águas e os devoram. Serena fala deles com repulsa, mas, para Yara, não é diferente do que as sereias fazem, se alimentando deles.Felizmente, o barco de pescadores está vazio e sobre a areia. Sem humanos. Yara se aproxima, ainda engatinhando, e percebe que há uma cesta com tecidos e uma rede no fundo do barco.Deve ter sido abandonado por algum deles. Ou talvez estejam por perto.Apressando-se, Yara pega um dos tecidos e o usa para se cobrir. Não são tecidos normais. Têm buracos. Fendas e linhas trançadas.Como era mesmo o nome? Yvi me disse uma vez.— Roupas — ela fala em voz alta, para si mesma. Yara tenta se concentrar. Lembrar-se da única vez que foi tão perto da terra e viu o barco em chamas. Havia mulheres lá e usavam tecidos para cobrir seus corpos. Ela se lembra, então, de como eles estavam colocados sobre suas peles. Ela tenta fazer o mesmo. Logo, o tecido azul cai bem em seu corpo e aparenta servir perfeitamente.Falta alguma coisa. Eles cobrem os pés também.Ela procura por algo semelhante ao que viu no pé do humano que salvou. Encontra, embaixo de outros tecidos, um tecido diferente, mais duro, mas que tem buracos compridos que parecem findar no formato de seus novos pés. Ela os enfia neles. Servem.Bom, agora não tem mais como voltar. É andar como humana, ou ir de vez para o Exílio.Yara se apoia no barco e, colocando um pé no chão por vez, tenta ficar ereta. Ela cai. Engatinhando para perto do barco outra vez, ela tenta de novo. E de novo. E de novo. Até que finalmente consegue se equilibrar e ficar de pé sozinha.Eu posso fazer isso. Já os vi andando. Uma perna na frente da outra.Caindo mais algumas vezes, ela enfim consegue. A passos lentos, anda rumo às construções ao longe. O vento forte bate em seu corpo e a faz se desequilibrar algumas vezes no caminho. Mas ela persiste. Apoiando-se nos muros, ela anda com lentidão na direção das casas e logo avista uma placa de madeira com letras e signos grafados de forma estranha, como no barco que ela viu no Mar de Prata. Entalhes humanos. Ela tenta memorizar os símbolos na cabeça e repeti-los em sua mente para saber o que podem significar. Mas, sem dúvida nenhuma, ela sabe que deve ser o nome de uma cidade

Canção das ProfundezasWhere stories live. Discover now