Retorno

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Fernando de Noronha, Pernambuco

08 de fevereiro

10h11min

Com o olhos entreabertos, Alex Loureiro tremeu quando Éder, a sangue frio, usou a lâmina do canivete para perfurar a pele do pescoço de Catarina. Fez uma pequena incisão na garganta dela, na altura da traqueia. O professor ainda o advertiu:

− Tenha cuidado para não atingir a...

− Carótida, eu sei – Éder completou, inserindo o tubo vazio da caneta pelo orifício da garganta. O tom azulado na pele começou a esmorecer, rapidamente. Era sinal de que o ar voltava a transitar pelos pulmões.

– É uma artéria de alto fluxo sanguíneo, com velocidade em torno de dois quilômetros por hora, sabia? – Alex acrescentou, nervoso.

A calma com que Éder lidava com a situação o impressionou. Desde o começo, o rapaz agia com naturalidade e precisão. Éder rasgou uma faixa de pano da própria camisa e envolveu o pescoço sujo de sangue da moça. Ele devolveu o canivete ao professor.

A moça voltou a inspirar pelo orifício; o ar entrando com ruído sibilante. Depois de quase meia hora, o guarda deu o sinal de que a lancha havia chegado. Um homem de jaleco branco saiu correndo em direção a eles. Logo atrás, outro homem carregava a maca desmontável. Alex pediu que os alunos ajudassem o enfermeiro que já desmontava a maca.

− Quem improvisou a traqueostomia? – o enfermeiro perguntou muito atento, tocando no pescoço e depois no pulso da moça semiacordada.

− Eu – Éder titubeou ao dizer. – Não tivemos tempo para...

− Você foi ousado. Isto geralmente é decisivo em situações de risco – o enfermeiro interrompeu.

Éder mostrou um sorriso constrangido. O professor Alex deu tapinhas nas costas dele. As colegas do mestrado fitaram o corpo bem cuidado do rapaz, os músculos delineados. Alex percebeu que ele estava envergonhado.

− Tome! Vista uma camisa − tirou da mochila. − Sempre tenho uma reserva. Me irrita ter que ver você exibindo esses músculos − Alex riu.

− Obrigado.

Alex e Éder desceram até a praia pedregosa, auxiliando o enfermeiro e o guarda a carregar a maca com Catarina. Eles acomodaram a moça no assoalho da lancha. A lataria tinha o logotipo impresso do IBAMA. Um homem de farda, com ar experiente, identificado como agente ambiental estava sentado próximo ao motor da lancha, a visão coberta por um Ray-Ban estilo aviador.

    Alex perguntou, encarado-o sem cumprimentar:

− O senhor já ouviu falar sobre incidentes na ilha com sementes tóxicas?

− Do que está falando? − titubeou, suando acima do lábio superior. Desviou do olhar de Alex e deu partida no motor da lancha. – Como está a moça?

− Parece bem − o enfermeiro disse ao lado de Catarina. – Os batimentos cardíacos estão estáveis.

O guarda ambiental ordenou que os outros estudantes esperassem, pois todo o grupo não caberia na lancha. Apenas Alex e Éder embarcaram junto com o enfermeiro e o agente.

− Ela precisa de cuidado médico intensivo – disse o homem, ajustando os óculos escuros no rosto. Acelerou o motor em direção ao mar aberto e depois mudou a rota para a ilha principal. – Em Noronha, não temos muita coisa; só contamos com um clínico geral. Um avião comercial sai daqui a dez minutos do aeroporto. Se forem de barco até o continente, levarão um dia e meio. Podemos acompanhar vocês até o avião.

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