VINTE E UM

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     É difícil dormir essa noite. Embora as paredes sejam muito mais grossas aqui do que no Monte Sergius, elas podem muito bem ser feitas de fumaça de vela depois que Yibo disse o que disse. Estou muito ciente dele do outro lado da parede, e pelo menos duas vezes me sento na cama, determinado a bater em sua porta. Para me desculpar pelo eremitério e também prometer que nunca mais vai acontecer, e para perguntar se ele se importa em falar mais sobre como sente minha falta quando estamos separados?

Mas não faço nada. Em vez disso, deito-me e consigo me persuadir a um sono profundo, que termina quando ouço o badalar do sino da igreja para as Vigílias. Eu me lavo, substituo o dispositivo de castidade de plástico que usei ontem para a viagem de avião pelo meu de metal e, em seguida, caminho para a igreja. Yibo chega alguns minutos depois de mim, e ficamos ombro a ombro nos bancos.
As orações são em francês – sobre o que honestamente não tinha pensado muito quando estava pensando em escolher um novo mosteiro - e fico surpreso ao olhar para Yibo e vê-lo murmurando junto com as orações no breviário dos visitantes em francês que nos foi entregue na entrada do santuário.
Ele percebe meu olhar e levanta uma sobrancelha.
Eu inclino minha cabeça em seu breviário e depois em sua boca. Você fala francês? é a pergunta não dita.
O canto de sua boca sobe. Oui, ele murmura silenciosamente e depois retorna às orações.

Um dia típico em Semois significa que quase não há tempo para eu e Yibo conversarmos. Bem rápido descubro que a vida trapista não é uma piada, e no primeiro dia inteiro em que estamos aqui, parece que eu e Yibo somos calouros no ensino médio, esforçando-se para chegar às aulas a tempo, mas acabando perdidos no corredor de ciências.
Depois das Vigílias, há desjejum e hora da lectio ou outra leitura espiritual, e depois laudes e mais lectio, e então missa. Uma coisa engraçada que os trapistas fazem é deixar as horas médias - os curtos momentos de oração da tércia, sexta e nona horas de vigília, - no meio do dia, o que significa que quando você estiver realmente decidido a fazer qualquer coisa - trabalhar ou almoçar ou mesmo lectio - é hora de se levantar para rezar outra vez.
Durante o horário de trabalho, o irmão Xavier nos mostra a enorme cervejaria que fabrica e exporta seis tipos de cerveja, e nos apresenta ao mestre cervejeiro, o padre Stefan. E depois vem o jantar, as Vésperas e as Completas, e de repente o dia acaba, tendo passado com a menor pressa que já experimentei.

A intensa programação é contrabalançada pela agonia de estar tão perto de Yibo - roçando em seu ombro no laboratório de fermento ou vendo seu antebraço flexionar enquanto ele toma notas - e não ser capaz de falar com ele. Em Semois, falar é apenas para informações essenciais e em áreas especiais designadas para falar, como a lanchonete quando está aberta e o jardim principal no meio do terreno da abadia. É diferente do silêncio em casa, diferente da quietude natural que preenche o ar lá. É um pouco como voltar para a escola. Tipo, se falar, alguém vai aparecer e te fazer se calar.
E assim, além de questões essenciais sobre lúpulo e fermento e fermentação secundária, existe apenas silêncio entre mim e Yibo. Significa que as palavras da noite anterior ecoam ainda mais alto em minha mente.
O dia seguinte é praticamente a mesma coisa, assim como o próximo. Nosso ciclista alemão na hospedaria é substituído por um grupo de mulheres mais velhas que se aglomeram na sala e sussurram em valão.
Eu e Yibo nunca estamos sozinhos.
No quinto dia, lavo roupa, e meus hábitos negros emaranhados são muito, muito diferentes das cestas de mantos trapistas brancos dobrados ordenadamente - como se eu fosse o monge roqueiro em um lugar cheio de um povo angelical imaculado. E nenhuma de suas túnicas brancas está respingada de cerveja ou sopa de queijo ou qualquer coisa.
Como???
Também lavo meus lençóis, já que a represa (uma metáfora bem literal neste caso) estourou ontem à noite, e acordei com ejaculação ressecada por toda parte.
Quando saio da lavanderia naquela tarde, encontro o irmão Xavier esperando por mim na entrada da hospedaria.
— Devo me desculpar, — ele me diz com uma pequena reverência.
— Seu amigo me perguntou se poderia dar uma volta pela floresta, e então percebi que estava monopolizando seu tempo aqui! Sei que você veio para aprender sobre as cervejas e conhecer Semois, mas isso quer dizer ver o terreno fora de Semois também. Pois se vier para ficar, será um dos lugares que poderá visitar no seu tempo livre, não é?
Eu assinto, embora tenha percebido que o tempo livre aqui é bem limitado.
O irmão Xavier sorri.

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