22. Renascer das Ruínas

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Em tempos antigos, a floresta da aldeia havia sido um tecido verdejante, bordado com o orvalho e o balançar das folhas ao vento

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Em tempos antigos, a floresta da aldeia havia sido um tecido verdejante, bordado com o orvalho e o balançar das folhas ao vento. Era o lar de criaturas diversas, abençoado pela harmonia do ciclo da vida. Mas a guerra trouxe uma calamidade tal que a própria natureza sofreu um lamento profundo.

As chamas, vorazes e impiedosas, não discerniam entre madeira e carne; seu calor abrasador era o abraço da morte para tudo que tocavam. Onde antes havia o canto dos pássaros e o zumbido dos insetos, restou apenas um tapete de cinzas.

Naquela noite Wai'ana permanecia de pé, imóvel entre os destroços fumegantes das moradas de seu lar. A pele dela parecia um pergaminho endurecido pela guerra, os olhos faíscas de fogo contra a opressiva escuridão.

Ela ergueu o berrante, encravado de mitos e banhado no suor dos antigos. Inspirou até o fim, e o ar circulou em seus pulmões, pleno de intenção e força. Quando seus lábios liberaram o sopro, o som transbordou, varrendo a floresta assolada pela destruição — uma sinfonia de esperança tênue, embora a própria esperança parecesse estar velada.

— Filhos desta terra, as chamas dos inimigos consumiram nossas casas, mas não nossos espíritos. Os ossos de nossos filhos estão espalhados pelo solo que amamos, e seu sangue manchou a terra que nos nutre.

Algumas mãos começavam a recolher as armas caídas; outras reuniam os corpos dos cadáveres, derramando em cima deles as últimas lágrimas. Crianças se reencontraram com seus familiares, e o berrante tocou novamente, reunindo-os, unindo-os.

— Nós somos a folha da arvore mais resistente. Não nos esqueçamos: o fogo que queimou nossos lares também vai acender nossas fogueiras.

Mais jovens arrastavam os escombros, abrindo caminhos entre as ruínas, reacendendo fogueiras cuja luz começava a afugentar os espectros da desolação. O trabalho de cura da aldeia se iniciava ao som da voz de Wai'ana, que começou a tremer e falhar.

— E-ergam-se! Acreditaram na nossa derrota, ma-as... nós... lhes mostraremos o que significa a verdadeira força.

No meio do fervor, uma lágrima traçou o caminho pelo rosto da líder. Em silêncio, ela se afastou da luz das fogueiras que começavam a espantar a escuridão, seus ombros começaram a tremer. A força inquebrantável da mulher que se mantivera como uma rocha, não podia mais evitar a fragilidade.

— Perdoem-me.

Foi então que seu filho Turi, o jovem que carregava a esperança de sua linhagem, sem dizer nada, estendeu a mão enfaixada, e ela sentiu o toque suave contra seu rosto, enxugando uma lágrima que falava mais do que palavras.

E então, como se Turi tivesse dado a permissão involuntária, outros membros da aldeia se aproximaram. Eles tocaram seus ombros, deram-lhe abraços apertados, sussurraram palavras de conforto e choraram juntos.

Do outro lado do espaço onde a aldeia se reunia, Mendes permanecia à margem. Distante, uma de suas mãos pendia ao lado do corpo, inútil, enquanto a outra segurava o rifle de Joaquim. O peito oprimido por uma dúvida corrosiva. Ele questionava sua própria utilidade, se sua presença ali era um sinal de solidariedade ou se era apenas um peso desnecessário.

O relógio de areiaWhere stories live. Discover now