São nas alturas melancólicas de uma cascata onde há o despejar das almas. As águas geladas em um transe, descem vertiginosas, notificando o fim de uma existência miseravelmente falha. Se a cachoeira onde Mendes imaginava-se se avermelhasse, seria o sangue escuro que jorra do corte no coração do líder daquela Seita — violento... visceral, como sua vida foi.
Em corpos tombados, O protagonista acompanha o jovem que matou seu amigo agachar-se sobre Eldric sem chorar. Era uma ausência de luto incomoda entre pai e filho, enquanto Mendes sentia-se em uma manhã de névoa onde as águas citadas transformam-se em lágrimas claras e puras, que turvavam os olhos inconformados pela perda e pelo inimaginável. As lágrimas queriam traga-lo de inexplicáveis sensações. Descendo, espiralando junto ao líquido da cascata não literal que explodiam em ensurdecedores tiros.
E na perda ascendeu-se nele as emoções, e um amargo gosto de ira, que assemelhava-se ao sangue que escorria dos lábios, deixando-o faminto por algo, e esse algo era vingança. Paralisado de joelhos, os dedos de Kaimbe, que evitara o tiro de Eldric, lhe tocaram tentando puxar seu corpo para longe das mortes, porém seu próprio peso não permitia ser levado. A gota de seu sangue escorreu mais uma vez pelo nariz e engoliu a lágrima que descia na gravidade. Ambas as águas, de sangue e da tristeza se misturaram na mesma cascata de dor e ira.
Já o jovem assassino, que bem poderia ostentar chifres do diabo, beija a mão do moribundo de próprio sangue, buscando em seu pescoço um colar. Quando o tirou, era o símbolo pertencente ao guardião que seu pai fora. Os dedos serviram de esconderijo para o objeto enquanto se alienava aos tiros trocados por seus aliados, e alienava-se por Mendes que o reparava como um cão cujo osso foi roubado.
O semblante de Mendes era lamentável e poderiam pensar nele como um pobre coitado, talvez até fosse, mas não por estar agora se jogando sobre o corpo do amigo morto. Coitados seriam os inocentes que não percebiam que a cada tentativa de afastar-se de Kaimbe ele se aproximava cada vez mais da arma que havia caído a lado de Paulo. E na volta de um dos puxões, ele tomou impulso suficiente para agarrar-se a ela.
Um Perpétuno o capturou nessa ação, se tornando vítima nas mãos de Mendes que apertou o gatilho e disparou sem remorso, sabendo que outro também não teria pena por ele. O filho de Eldric com o susto do tiro se levantou com a corrente do colar balançando nas mãos. Mendes o mirou, e pouco importava sua idade, esse garoto matou Paulo e merecia morrer como o pai.
Porém, um seguidor da Seita que se encontrava próximo percebeu e, empurrou o guardião em direção a carruagem. O monstro que tomava posse de Mendes não o perdoaria pela intromissão e atingiu esse salvador que na teoria não deixaria o descendente de Eldric morrer.
A mão que o puxava tornou-se quatro, e ele viu, meio apagado pela própria perda de controle, Isadora também ajudando Kaimbe a puxá-lo dali. Isso não o fez parar de apertar o gatilho, ele continuava a ver os Perpétunos caírem. Todos pareciam desesperados e recuavam pela surpresa que a morte lhes fazia. Esse medo poderia muito bem ter sido somente por sua atitude feroz de cão raivoso, mas perceberia em seguida que também eram por causa das balas que vinham de alguém na multidão, uma pessoa que atuou no assassinato de Eldric. Que mesmo sem ter rosto, mudou o seu destino.
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O relógio de areia
Teen Fiction"O Relógio de Areia" é uma obra de fantasia dramática que conta, de forma linear, a história de Arthur Menezes, um protagonista que cresceu aprendendo a viver da pesca e da carpintaria naval em uma cidade pequena e culturalmente rica. Embora Arthur...