CAPÍTULO 68

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"Não, não vai, Tib! Por que não podemos ser uma família? Por que não?" Daru chorava agarrada a Tiberius, ele não conseguiu responder. Por ele, ele ficava. Ananyia puxou Daru dos braços dele, Tiberius olhou para o alto, ele não queria olhar nem para uma ou para outra.
"Filhinha! Você sabe que..."
"Não! Eu não sei e nem quero saber, eu te odeio! Me leva com você, Tib. Eu gosto mais de ter um papai do que ter uma mamãe!" Daru disse. Ela estava muito brava, seus olhos brilhavam como duas pedrinhas verdes.
"Daru... Olha só, você está com raiva, mas depois vai se arrepender, Lobinha. A mamãe te ama muito e você também ama ela, então..." Tiberius tentou fazer Daru se acalmar, mas a menina rosnou. O pior é que ela ficava tão bonitinha rosnando!
"Tiberius está apaixonado por outra, Daru. Eu até que queria ficar com ele, mas ele ama outra, não me ama." Ananyia disse, Daru correu para os braços dela.
"É verdade?" Dessa vez Tiberius se tornou alvo da ira dela, seria engraçado se Daru não fosse tão feroz.
"Sim. Mas eu ficaria com a sua mãe se ela me aceitasse." Ele disse, distorcendo a mentira.
"Não seria justo comigo, Daru. Eu quero alguém que me ame." Ananyia disse, Daru piscou os olhinhos que agora estavam novamente castanhos.
"Mas... Mas e eu? E nossa família?" Ela disse, o coração de Tiberius se partiu.
"Era uma missão, Pequenina. Agora iremos ficar com Laylah. Vai ser divertido. Ela vai voar com você sempre que você quiser." Ananyia disse beijando o rostinho da menininha.
"Por que não podemos fazer outra missão? Outra que tenhamos de ser uma família de novo!" Daru perguntou com um grande sorriso no rosto.
"Harrison é o líder. Ele decide as missões." Ananyia disse.
Daru desceu do colo dela e abraçou as pernas de Tiberius.
"Quem é ela? Ah, pode deixar, eu descubro." Tiberius não teve tempo de fechar sua mente, e Daru invadiu. Ela era muito poderosa, uma vez que era muito novinha.
"A loira? A mamãe é mais bonita!" Daru disse. Ananyia ergueu as sobrancelhas, Tiberius deu de ombros. Não era fácil pensar numa mulher assim do nada.
"É, eu também acho." Tiberius disse encarando Ananyia, Ananyia fechou a cara.
"Se acha a mamãe mais bonita, por que quer a loira? Ela é bem sem graça." Daru disse.
"O coração age de formas que desconhecemos, Pequenina." Tiberius disse.
Daru investiu de novo na mente dele, ela era imprevisível demais, Tiberius quase não teve tempo de se imaginar beijando Ann Sophie.
"Isso aconteceu?" Daru perguntou. Ela entrava sem que pudesse ser impedida, mas era novinha demais para entender o que via.
"Sim. Foi..." Tiberius olhou para Ananyia, ela o ignorou.
"Eu sinto muito, mamãe."
"Tudo bem. Ficar longe vai ajudar meu coração partido." Ananyia disse.
Daru correu para ela e a abraçou, Ananyia o olhou o dispensando.
"Adeus." Tiberius disse.
"Mamãe, que tal um último beijo? Para você se lembrar de Tiberius com carinho?" Daru perguntou. Ela era muito esperta, parecia estar entendendo que era Ananyia que não queria Tiberius.
Ananyia colocou Daru no chão, se aproximou de Tiberius, Tiberius mergulhou nos olhos castanhos lindos, misteriosos e sagazes dela, lhe alisou o rosto perfeito, passou a ponta do indicador nas sobrancelhas bem feitas e se encantou uma última vez pelos olhos sem pálpebras, pequenos, puxados. Ele nunca tinha visto olhos assim.
Ananyia iniciou o beijo, Tiberius deu a ela o controle, Ananyia o abraçou, os corações dos dois dispararam, Tiberius a apertou contra ele. Ananyia lhe invadiu a boca com a língua, Tiberius sentiu as pernas bambas. Desejo, cru e primitivo o tomou, Ananyia se afastou.
Não era o coração dela que estava partido, era o dele. E ter de fazer o papel do homem apaixonado por outra era horrível. Mas Daru ficaria com Ananyia, então, ele devia ser quem queria a separação.
Ananyia, porém, continuou com os olhos fechados, mesmo tendo afastado os lábios dos dele.
"Isso é só desejo. Só isso. Seria assim com qualquer um." Ela sussurrou.
"É, tem razão." Tiberius disse, cada palavra doendo fundo no peito dele.
"Vamos?" Laylah perguntou, ela estava sentada no parapeito da janela, eles estavam num hotel não muito longe da Reserva.
"Tchau, Tib! Eu espero que você e a loira fiquem bem. Eu acho que talvez você vai perceber que você gosta mesmo é da mamãe." Ela disse quando Ananyia e Laylah a abraçaram entre elas. Laylah sorriu para Tiberius, ele assentiu se despedindo.
"Eu vou te ajudar. Vou dar um jeito da loira ficar com você, você vai ver que ela é mais feia e sem graça que a mamãe. Aí, você vai ir atrás da gente. Eu prometo."
Daru disse na mente dele, Tiberius só sorriu. Daru era uma pestinha.
Laylah pulou da janela, o prédio do hotel era bem alto, Tiberius viu ela abrir as asas negras e subir até que logo não dava para vê-las mais. Ele se sentou numa cadeira, era um bonito quarto. Ele suspirou e saiu, não iria pagar nada, não queria ver ninguém, então fez com que ninguém o visse.
Tiberius saiu, parou na rua, um humano parou seu carro quase em cima dele.
"Puta que pariu! Está louco, cara?" O humano dirigindo disse.
"Me leve para a Reserva Nova Espécie." Tiberius disse, o humano sorriu. Tiberius abriu a porta, entrou no carro e o humano colocou o veículo em movimento.
Uma ou duas horas depois, o humano parava em frente ao portão, Tiberius desceu do carro e agradeceu.
"Onde estou?" O humano perguntou. Tiberius sondou a mente dele e viu que ele estava indo trabalhar num prédio perto do hotel.
"Está na Reserva Nova Espécie."
"Nossa! Como eu vim parar aqui? Você é Nova Espécie?" O humano perguntou com os olhos bem abertos.
"Sim. Eu o fiz me trazer, espero que esse favor não te prejudique muito."
"Tá brincando? É só tirar uma foto comigo que tá tudo certo!" Ele disse, colocando o telefone dele na frente da cara dos dois, Tiberius sorriu, o humano riu.
"Nossa! Você tem mesmo presas! Eu vou fazer o maior sucesso na empresa! Como é o seu nome?"
Tiberius quis rosnar.
"Eu não tenho nome."
"Ah. Eu sinto muito. Bom, meu nome é  Mark. Adeus." Mark entrou no carro e deu a partida, Tiberius esperou em frente ao portão. Não demorou e um homem abriu e fez sinal para ele entrar.
"Tiberius?" O homem perguntou, Tiberius deu de ombros. O homem tinha cabelos esquisitos, castanhos com as pontas loiras. Os olhos eram como os dos trigêmeos, puxados. Quase parecidos com os dela. Tiberius suspirou.
"Vou te levar para onde sua família está." O homem disse. Tiberius entrou no jipe que o homem indicou, haviam vários naquele lugar.
"Jinx? Que tal uma carona?" Tiberius olhou para a esquerda e Ann estava lá. Ela era mesmo muito bonita.
"Vou para longe, querida. Você vai para o heliporto, não é?" O tal Jinx respondeu.
"Sim, mas eu tenho tempo. Posso ir com vocês e depois voltar com você. Não quero ficar sozinha esperando John." Ela disse com um sorriso, Jinx sorriu como um idiota.
"Então, por favor." Ele abriu a porta do jipe com um floreio, Ann Sophie pulou no assento de trás.
Jinx e ela conversaram durante todo o longo trajeto, ela ria de muita coisa que ele dizia, muitas delas as quais Tiberius não via graça alguma.
"Sabe, nós procuramos você, mas não o encontramos. Onde você estava? E por que Laylah e a humana o soltaram?" Ann Sophie perguntou a ele, Tiberius a encarou.
"Nós éramos apenas uma distração. Eu não sei direito por que, não me disseram, mas envolvia salvar o meu povo. Eu topei, foi divertido." Tiberius disse.
"Não para mim. Ananyia fez alguma coisa com a minha cabeça. Eu vou dar uma surra nela se a encontrar."
"Fui eu." Tiberius disse, Jinx parou o jipe.
"Como assim? Sobre o que estão falando?" Ele perguntou, mas Ann saltou sobre Tiberius. Ela cravou um joelho no colo dele, acertando suas bolas e lhe cravou as garras no pescoço. Tiberius nem conseguiu ver o movimento que ela fez.
"Por quê? Por que fez aquilo?"
"Por que você não é como os outros. Tínhamos de te distrair." Tiberius disse num fio de voz, as garras dela não perfuraram sua garganta, mas qualquer movimento mais brusco e ela furaria o pescoço dele.
"Tudo o que eu sonhei. Foi você?" Ela perguntou.
"Sim." Ele respondeu, Ann Sophie pulou de cima do colo dele, saindo do jipe.
"Na volta, você me pega aqui, Jinx." Ela disse com leveza, mas era uma ordem. Ela tinha uma aura firme e de comando.
Jinx colocou o jipe em movimento, Tiberius tocou o pescoço. Ainda que ela não perfurou sua pele, sua pele estava dolorida, muito dolorida.
"Uma fêmea que sabe usar sua força. Isso é excitante, você não acha?" Jinx comentou, Tiberius o ignorou.
"Ela é uma boa fêmea, todo mundo se pergunta o que Candid está esperando."
Tiberius não iria responder. Ele viu. Viu os sonhos dela, viu o desejo em seu coração puro e bondoso. Mas algo faltava. Isso talvez fosse o que Candid, aquele sortudo, esperava.
Jinx parou o jipe, Tiberius desceu e o primeiro que o abraçou foi Phil. Ele vestia uma roupa diferente, uma calça e uma blusa de um tecido grosso, mas  macio, com as letras 'ONE' escritas na frente da blusa e na lateral da calça.
"Olha, isso é um conjunto de moletom." Ele disse com um sorriso. Tiberius se abaixou e o abraçou mais uma vez. Ele era o último da linhagem de seu pai. Tinha os mesmos cabelos e olhos. Sem os fios brancos, isso sempre fascinou a todos.
"Vem, estamos armando barracas. E olha quem estava com saudades!" Darius disse com um sorriso, Tiberius deixou seu lobo jogá-lo no chão, lhe lambendo o rosto.
"Oi, amigão! Eu senti saudades!" Tiberius disse. O outro lobo, o de Honest também estava lá, Tiberius sorriu, o lobo arreganhou os dentes. Tiberius riu, Honest não ia gostar nada de saber que correu uma grande distância atrás de Tiberius a toa.
Ele ajudou a armar sua barraca e a noite, eles fizeram uma fogueira e assaram carne. Tiberius comeu, riu das histórias que um homem que tinha uma calda contou, todas sobre Candid e se preparou para dormir com os outros.
Mas é claro que o sono não veio. Tiberius saiu de sua barraca e andou sem rumo até sentir o cheiro de Ann Sophie. Ela estava no paredão, ele não era muito de escalar, mas havia uma corda lá, então ele demorou mas subiu.
Ann Sophie não disse nada, Tiberius se sentou ao lado dela.
"Foi você que me despertou?" Ela perguntou.
"Sim, mas por que você se aproximou de Augustus. Não seria bom que ele te despertasse. Então eu fiz."
"Por que você estava nu?"
"Por que eu queria que você pensasse que era Augustus." Tiberius disse.
"Por quê?"
"Por que eu não queria que você me odiasse."
"Eu não odeio você. Só não faça de novo." Ela comandou, Tiberius sorriu.
"Qual é a graça?" Ela ergueu uma sobrancelha ao perguntar. Imperiosa e acostumada a obedecerem. Ela era bem diferente das mulheres que Augustus conheceu.
"Você é muito mandona."
"Eu discordo, mas ainda que eu fosse, isso não é engraçado." Ela disse.
"É, tem razão, acho que eu sou só um idiota." Tiberius disse.
"Você me disse para lutar pelo que eu quero."
"Candid, não é? É ele quem você quer." Tiberius disse.
"É. Mas ele tem medo e o medo dele é algo que todos nós temos medo mesmo. Ele tem razão em não ir atrás de sofrimento desnecessário."
"Eu acho que ele é um covarde. Eu e meus irmãos crescemos sabendo que íamos morrer. Vimos isso acontecer de diversas formas com nossos irmãos, primos e sobrinhos, muitas vezes de formas dolorosas, mas seguimos em frente. Augustus controlou os lobos. Não era o melhor, mas era o que tínhamos. Fazíamos vigílias, protegíamos nossas crianças. Tudo para continuarmos vivos o maior tempo possível, ainda que estivéssemos condenados. Ele não querer viver o que você quer que vivam por medo de acabar em sofrimento não faz sentido para mim." Tiberius disse.
"Eu acho que ele quer que eu dê o primeiro passo." Ann Sophie disse.
"Então dê." Tiberius disse.
"Não. Eu já corri atrás dele, eu fui para aquele fim de mundo onde você e Ananyia foram. Agora é a vez dele."
"Mas ele já disse que não quer. Você deve tentar mais uma vez."
"Não."
Ann ergueu o queixo delicado, Tiberius se postou a frente dela, ela não se afastou. Uma tigresa não se afastaria de um cervo, é claro.
"Que tal fazermos ciúmes nele? Eu não tenho nada melhor para fazer." Tiberius sugeriu.
"Não. Isso é patético. E desonesto. E eu... Bom, eu não sinto desejo por você." Ela disse.
"Mas esse é o ponto. Iremos fingir e não haverá problema em nos envolvermos."
"Não. Sem fingimento. Isso é uma coisa indigna." Ela disse e se levantou.
"Tudo bem, mas sabe onde me encontrar." Tiberius ainda falava quando ela saltou e pousou lá embaixo sem fazer barulho. Ela era incrível e Candid era um otário.
Tiberius se deitou na pedra e olhou para o céu. Foi uma grande aventura aquela.

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